sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

"Nas próximas férias, divirta-se com suas crianças - e deixe-as se divertirem!"

O texto a seguir é de Daniel Greenberg, um dos fundadores da Sudbury Valley School, uma escola livre e democrática que existe desde 1968, nos Estados Unidos. Acho que ele traz umas ideias bem pertinentes, especialmente nessa época do ano (férias escolares!). Espero que gostem. Ah, estou publicando minha tradução aqui com autorização do autor!

Nas próximas férias, divirta-se com suas crianças - e deixe-as se divertirem!


Daniel Greenberg (In: GREENBERG, Daniel. Education in America - a view from Sudbury Valley. Framingham: Sudbury Valley School Press, 1992. p. 92-95)


Tradução de Luís Gustavo Guadalupe Silveira

As férias de final de ano sempre nos dão a oportunidade de nos confrontarmos com a terrível bagunça que o Homem Moderno fez com a atividade natural mais básica das espécies -- a educação dos filhos. Jornais diários, revistas, programas de TV, todos trazem constantes lembretes de quão incompetentes nós temos sido em administrar nossos negócios nessa área crítica.
Primeiramente, algumas poucas palavras a respeito de coisas básicas. É inegável que adultos de todas as espécies foram dotados pela natureza com todos os instintos, reflexos, intuições e hábitos próprios necessários para realizar com sucesso a criação dos recém-nascidos membros da espécie. De outro modo, nenhuma espécie sobreviveria, já que a fase mais desamparada e vulnerável de toda a existência dos animais é a inicial, após o nascimento. Além disso, também está fora de questão que toda espécie é dotada do impulso funtamental de procriar. E, finalmente, a sobrevivência determina que os jovens de todas as espécies desenvolvam habilidades para crescer e se tornar adultos bem-sucedidos. Esses três fatos básicos da vida são universais, e são essenciais para a preservação de toda e qualquer espécie, em toda a escala evolucionária.
O que isso tem a ver com as férias, você pode estar se perguntando. Bem, a primeira coisa que você vê, digamos, no Middlesex News, é um monte de colunas com o seguinte tema: “Vixe, férias de novo! Estamos presos com nossos filhos! Não tem escola para ocupá-los o dia todo! O que faremos? Como lidar com eles, entretê-los, mantê-los longe de encrencas, nos livrar deles?” E os escritores, entra ano, sai ano, fornecem listas de fórmulas para aplacar o pânico dos corações dos pais por terem que lidar com suas crianças diariamente. Agora, isso não é estranho? Não fomos nós que decidimos ter esses filhos, em primeiro lugar? Nós não somos dotados das mesmas habilidades inatas para lidar com eles que tínhamos quando eles apareceram em nossas vidas? O que deu errado?
E então temos a segunda categoria de conselhos que obtemos de uma horda de colunistas bem-intencionados, nos dizendo como garantir que o tempo livre que nossas crianças passam fora da escola seja adequadamente utilizado, para que elas estejam aprendendo coisas úteis o tempo todo -- por exemplo, estudos sociais, ou conceitos matemáticos, ou história, ou geografia. A maior parte do tempo, dentro do possível, deve ser gasta incutindo conceitos educacionais aprovados e recomendados por profissionais. Deus nos livre de crianças que passem suas férias brincando e se divertindo do seu próprio jeito! Elas estariam “perdendo tempo.” Ninguém mais acredita que a natureza conferiu às nossas crianças o desejo inato de aprender sobre seu ambiente, de crescer para se tornar adultos bem-sucedidos? Será que alguém realmente acredita que a espécie humana seria pior do que atualmente é se nós déssemos um passo atrás para deixar que as crianças descubram as coisas sozinhas?
Pode ser útil dar uma olhada nas páginas dos escritos dos antropólogos, para ver o que podemos aprender com outras culturas a respeito do tratamento dispensado às crianças. A maior parte das sociedades indígenas ao redor do mundo exige que seus adultos possuam habilidades extraordinariamente refinadas, para que possam viver em harmonia dentro de seu ambiente natural. De fato, as habilidades necessárias excedem de longe aquelas que a maior parte dos povos ocidentais possui hoje, em nosso mundo tecnológico, no qual dependemos de objetos inanimados para substituir a força humana. Assim, os povos considerados “primitivos” devem desenvolver grande perícia em áreas tais como rastreamento, caça, resistência física, corrida de longa distância, paciência, controle emocional, repressão de todos os desejos e especialmente memorizar o conhecimento e a sabedoria de sua cultura. A pressão nas sociedades indígenas para fazer com que suas crianças cresçam dominando essas habilidades excede em muito a pressão da nossa sociedade para que nossas crianças aprendam matemática ou estudos sociais. Crianças nativas que não aprendem o “básico” quase certamente irão morrer, enquanto as crianças modernas no máximo irão terminar em empregos ruins ou ficarão sob a tutela de outros.
Agora, dada essa pressão nas sociedades nativas, como elas tratam as crianças? Novamente, a resposta é simples e virtualmente universal. Para preparar suas crianças para enfrentar os rigores da vida, essas sociedades dão a elas amor, afeição, carinho sem fim e, mais importante de tudo, liberdade para brincar praticamente o tempo todo e para observar livremente as atividades de sua aldeia. Supõe-se que as crianças irão querer, mais do que tudo, se tornar pessoas completas, para contribuir com suas sociedades como adultos: e a liberdade dada aos adultos é um reconhecimento do fato de que ninguém sabe melhor do que a Natureza como cada criança pode melhor atingir a maturidade. A Natureza é a mestra e as inclinações, os instintos e os impulsos naturais das crianças são considerados dignos de confiança para guiar as crianças pelos caminhos mais produtivos de suas vidas adultas.
Nós perdemos tanto o contato com nossa essência humana inata que temos medo de estar com nossas crianças, medo de confiar em sua habilidade para encontrar seu caminho na vida, medo de usar nosso próprio bom senso ao invés de depender de “especialistas” em educação -- medo de ser.
Essa situação não tem remédio? Não sei. Mas ao menos nós podemos tentar. E cada um de nós pode começar nas próximas férias, fazendo coisas que gostamos com nossas crianças, permitindo que nossas crianças tenham a liberdade para fazer as coisas que gostam, e por nos surpreender ao ter férias tão prazerozas com nossas crianças que nós, tanto quanto elas, fiquemos extremamente infelizes quando fevereiro chegar e elas tenham que retornar para a escola novamente!