sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Uma faísca de Vida: sobre gravidez e morte

Mãos frias. Fisgadas na barriga. Sangramento.
Descobri minha terceira gestação na sexta semana de gravidez e a perdi nessa mesma semana... Foram apenas alguns dias grávida mas tempo suficiente para viver uma vida.
Sou mãe de um casal. Não fazia parte dos planos um tercerinho. Mas assim que ele veio, foi recebido de braços abertos, assustados, é claro, mas cheios de amor...
Tá, foi rápido, não era planejado e já tenho dois filhos lindos e saudáveis. Isso tudo ameniza a situação. Mas nem por isso deixou de ser intenso, nem por isso deixei de chorar, nem por isso deixei de ser mãe novamente. A minha faísquinha de vida, minha cereja do bolo, meu presente surpresa.
Sou grata pela Vida por ter me proporcionado essa experiência.
Falar de perda, de morte, de aborto é sempre um tabu quando se fala em gravidez. Senti isso na pele.. Eu já sabia o que era, meu corpo e meu coração me disseram... eu aceitei... mas os olhinhos e os comentários de quem estava próximo, vieram meio que desajeitados, desconversando, esperançosos...
Eu vivi um aborto espontâneo! Na verdade, ainda estou vivendo... E me sinto mais humana por isso, me sinto mais forte, me sinto mais amadurecida. E entendo profundamente a dor de tantas outras mulheres, amigas, que já perderam filhos durante a gestação... Mas, mais do que dor, sinto vontade de falar de beleza. Nosso corpo é nosso templo, um lugar sagrado e sábio. E é bonito saber que ele sabe das coisas. No caso de um abortamento, um beleza triste, mas bela. Só há Vida, por que há Morte. Minha faisquinha de Vida durou pouco e talvez por isso, me trouxe tanta vida, tantas possibilidades, tanta magia. Ela veio e revirou tudo, para sempre. Ganhei minha vivência de uma gestação e um possível parto humanizado e empoderado... Sim, deu tempo de pensar no parto, na equipe, nas músicas, no pilates... deu tempo até me me libertar... isso foi transformador... deu tempo de me livrar de mais algumas amarras aos esteriótipos e velhos paradigmas. Sim, eu queria (ainda quero!) parir, mas senti, no fundo da minha alma, que  isso não era mais uma ferida. Isso foi de uma leveza sem fim.. Trabalhar com humanização do parto e nascimento requer uma mudança de paradigma, não só no discurso, mas na forma de atuar, na forma de aceitar e na forma de se colocar no Mundo.
Nessa aventura, ganhei tanto quanto perdi. E continuo agradecida e encantada com esse poder feminino de gerar... E mais desafiada a falar das perdas, da morte, do não planejado, do que sai fora da rota traçada... Quem topa?

domingo, 17 de agosto de 2014

A Borboleta e o Casulo (por Alessandra)

Escrito dia 14/08/2014

Tenho andado pela vida com mais certeza da forma que desejo caminhar, mais segura dos meus passos, menos dependente do maior fluxo. Às vezes, minhas crenças me levam para novas trilhas, outras para os caminhos com menos asfalto, e outras ainda, para lugares bem movimentados e sedimentados... Tenho me sentido muito feliz por cada vez mais andar no meu ritmo, nas batidas do meu coração.

Esse ano tem sido de tanto encontro, tanta criação, tanta realização que nem eu mesma consigo ainda dimensionar. Tenho gerado e parido algumas vezes ao longo desse ano... Uma "escola", um trabalho, vários projetos, eventos, cursos... Todos com conceitos bem parecidos: autonomia, empoderamento, respeito, liberdade, aprendizagem, individualidade e coletividade....
E a sensação de estar feliz, realizada, satisfeita...

Daí vem essa semana e com ela um grande chacoalhar da Vida. 

Iniciei um Curso de Formação em Medicina Antroposófica e fui convidada a sentir, reviver e pensar em minha vida, acontecimentos passados e presentes, minha biografia e a ligação e sentido de tudo.

Minha questão: Ser casulo ou borboleta? Percebi meus ciclos e como é claro esse meu circular entre momentos mais fechados, internos e protegidos e outros mais abertos, livres, de intenso movimento social... e assim é e será. E veio forte essa minha imagem atual de geradora de tantos projetos e como isso foi essencial para a superação dos meus "não partos" (já que vivi duas cesareas desnecessárias e hoje sou uma "ativista" da humanização do parto e nascimento). 

No meio do processo, entre um dia e o outro, um sonho: eu estava literalmente parindo naturalmente um filho. E foi depois desse sonho que o bicho pegou. Me atinei para o fato de que minha menstruação estava atrasada... sim e mais de uma semana!!! e isso nunca aconteceu! Como assim?????? Será????? Como eu falei disso no curso, sonhei e daí isso vira possibilidade em menos de 24 horas???

Para quem me conhece sabe que eu sou suuuuuper organizada e planejada, as outras duas vezes que engravidei foi tudo pré-combinado e os sintomas vieram assim que engravidei, senti dor no peito, frio na barriga, tontura, enjoo, tudo com uma semana de gravidez, antes dos testes confirmarem eu já sabia que estava grávida. E agora nada disso, nenhum sintoma físico, as expressões e os sinais vieram do sonho, dos meus sentimentos e pela minha filha (que chegou literalmente a expressar que tinha um bebê em minha barriga e pedir umas duas vezes para eu deixá-la mamar em meus seios. Detalhe: ela tem 4 anos e largou meu peito com uma ano e meio).

Na segunda, depois desse curso, comprei um teste de farmácia e adivinha? Uma lista bem forte e uma outra fraquinha... Eu simplesmente não consegui acreditar. Mostrei para o meu marido que ficou com aquela cara de "o que isso quer dizer?". Não estava nos planos ter mais filhos, a gente estava tentando se prevenir... e agora???

O que mais me incomodou foi o fato de eu não estar sentindo nada de grávida... o frio da barriga é um sintoma especial nas outras minhas histórias... E como eu não estava sentindo, não estava me sentindo grávida.

 E foi assim que procurei minha amiga médica... só disse que era uma "urgência". Ela me acolheu, me fez curtir a gravidez, sim, foi ela que com o seu doce olhar me fez acreditar que estava acontecendo. Aquela marquinha fraquinha no teste não deixava dúvidas... E a profissional, psicóloga, doula e mãe de duas crianças "crescidas" se transformou em uma geradora de uma nova vida... Mas como boa ouvinte e curadora que essa médica é, ela se atentou à minha fala, "está diferente das outras vezes"... "eu não sinto a mesma coisa"... e solicitou um "exame seriado" para confirmar a gravidez e ver o caminhar da mesma. 24 horas entre um teste e outro e nesse intervalo precisava dar alteração significativa na taxa...

Fiz o primeiro e lá estava o "POSITIVO", como esperado. E eu, ainda perdida na ideia e na reviravolta em minha vida, comecei a ver mais cores, mais música e um outro tempo ao meu redor... meus olhos começaram a se encher de lágrimas com qualquer coisa, uma música, um sorriso, um raio de sol. Eu me senti mais viva, mais potente, mais forte. O mais emocionante foi como me apaixonei mais ainda por meus filhos, foi como se estivesse olhando novamente, pela primeira vez, para cada um deles.

Fiz o segundo teste, já apreensiva, e o resultado deu um alteração mínima, quase nada pelo esperado. Conversei com a médica, que orientou esperar... mais uns dois dias... e repetir o exame. 

Aqui estou, esperando, grávida, iluminada, intensa, feliz por me sentir viva... agradecida por me sentir presenteada, um presente inesperado, o melhor de todos, daqueles que chegam sem avisar e tumultuam tudo, que faz a gente dar meia-volta e mudar a direção, sem saber que rumo seguir, aguardar... Tudo bem se essa jornada for curta, se o presente for só uma faísca de vida... 

Não consigo descrever quanta vida estou vivendo nessa semana, quanta emoção, quantas possibilidades... me re-descobri, de novo, entre o casulo e a borboleta, e me senti mais dona de mim mesma e da forma que escolhi caminhar... independente do caminho que a vida me apresenta. Estou aberta, como no sonho, para o que me espera.

Carregar uma vida dentro da gente é algo muito mágico. Minha reverência ao meu corpo, ao amor que eu e meu amor compartilhamos, ao Universo, ao pó de estrelas! Gratidão.

(P.S: Não publiquei esse texto antes porque ainda não havia contado para a família essa aventura...)