sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

O que uma doula faz??? Doula é uma bengala!!!

 Texto originalmente escrito por mim para o blog da minha amiga e atual doulanda Sabrina, aqui o link do texo no blog Expomaterna.

Sou doula de formação há dois anos. Descobri o conceito de humanização do parto e nascimento um pouco antes e, portanto, após o nascimento de meus dois filhos por cesáreas desnecessárias... Sim, eu sempre desejei ter parto normal e sim, acabei em cesárea por conta do modo de funcionamento do nosso sistema obstétrico. Na minha época me lembro da minha angústia e conflito quanto ao que lia sobre “as recomendações da Organização Mundial de Saúde para o parto e o bebê” e as orientações, condutas e indicações que recebia dos médicos em relação à gestação, parto e maternidade...
Meus filhos nasceram mas minha inquietude continuou, até que as coisas começaram a se revelar para mim... Descobrir o conceito de parto humanizado foi descobrir um novo universo, cheio de possibilidades e muito em sintonia com a minha prática e experiência profissional como psicóloga. Acreditar na força e na capacidade de si, poder assumir sua história, se informar e ser capaz de escolher o seu caminhar... Fazia muito sentido isso tudo dentro de mim.
Me aproximei do grupo de profissionais que iniciavam seus trabalhos em Uberlândia, comecei a frequentar os grupos para aprender e também porque estar nesse meio me fazia bem... Criei laços e amizades e comecei minha formação como doula.
Mas, afinal, o que uma doula faz?
Eu,Thais e a médica, foto de Alan
Teoricamente a doula é uma profissional que surge para suprir uma necessidade do nosso atual sistema obstétrico (hospitalocêntrico e tecnocrático), que é a falta de apoio e acolhimento para a pessoa que deveria ser o foco das atenções: a Mulher! Pois, no sistema obstétrico tradicional, tudo gira em torno da figura do médico e tudo funciona para servir a esse, os instrumentos, a posição da gestante, o horário da cirurgia, a temperatura e a iluminação do ambiente, etc e tal.
Com a realização dos partos nos hospitais e consequentemente a transformação desse evento em um ato médico, nós, mulheres, deixamos de saber sobre parto. Desaprendemos a escutar o corpo, deixamos de reconhecer as fases e o desenrolar de um trabalho de parto e mais ainda, passamos a sentir medo e receio de viver esse momento. Aprendemos a nos sentir impotentes, incapazes, imperfeitas... e acabamos por entregar nossos corpos e nossa alma para um “salvador”. Sim, diante do horror inventado, preferimos fechar os olhos e torcer para que tudo acabar logo, sem sentir, sem participar, sem viver!
A doula surge nesse contexto para possibilitar uma nova engrenagem. É uma mulher que se nutre de conhecimento e confiança no corpo feminino e se disponibiliza para estar ao lado da gestante e contribuir para que essa se reaproprie de sua sabedoria e conhecimento perdido. É uma profissão necessária ao contexto, pois a função principal da doula é ENXERGAR a mulher. Enxergar e servir essa mulher, no que ela necessita para enfrentar de forma mais autônoma e amorosa possível esse momento.
Eu e Mari, foto de Fernando
A doula é uma bengala. Uma bengala que possibilita que a mulher caminhe com suas próprias pernas, que oferece suporte físico e emocional, que dá sustentação... Mas vale ressaltar que uma bengala é só um instrumento que funciona a partir da força e desejo de quem caminha... um bengala não faz o caminhar!!! Quem caminha e escolhe o caminho, nesse caso, deve ser sempre a mulher.
Uma doula faz encontros com a gestante durante a gestação para conhecer a mulher, o acompanhante e a família, criar vínculo e fornecer informações e preparar a mulher  para o parto. Uma doula acompanha todo o parto, dando apoio e suporte para a mulher e acompanhante no que for necessário (a doula orienta, acalma, ajuda a reconhecer os sinais, sugere posições, faz massagens e outras técnicas de alívio da dor,  dá agua,
Eu e Aracéli, foto de Cíntia
limpa o chão, enche a banheira, dá comida pro cachorro, conversa com a vizinha que bate na porta para saber se está tudo bem, olha nos olhos, aperta a mão, deixa o casal sozinho para eles curtirem, fica junto, silencia, apoia...). Durante o parto a doula fica à disposição todo o tempo necessário, o tempo que isso durar. Já acompanhei casos à jato, de 3 horas, e outros de 3 dias... tanto faz. Porém, no meu pensar, a 
doula nem sempre é necessária como presença física (se assim não for solicitado pela mulher), sua função é muito mais como a bengala, que fica ali, do lado, e pode ser acessada quando quiser... Nosso apoio não é exatamente fazer alguma coisa, muito pelo contrário, é dar suporte para que a própria mulher faça, do seu jeito, do seu tempo, no seu ritmo. É acreditar que a mulher até consegue caminhar sozinha, incentivá-la a dar uns passinhos e estimulá-la a encontrar sua força interna.
Ser doula é estar aberta ao novo e ao desconhecido. Cada parto é um. Cada parto traz sua magia, sua energia e seu desconhecido. Estar aberta a isso é o grande desafio.


Gratidão às mulheres e homens que me escolheram para estar presente num momento tão especial e único em suas vidas. Aprendi muito com cada um e carrego em mim a lembrança viva de cada vida que vi chegar... Me sinto honrada de pensar, trabalhar e ver nascimentos. Nada é mais emocionante que a chegada de um novo ser nessa vida, presenciar um corpo e uma alma sair de um outro corpo e uma outra alma, sentir a vida assim tão intensa e potente. 

Eu e Juliana (foto de José Neto Fotografia Criativa)

sábado, 22 de novembro de 2014

Encantos do corpo e da alma


Um mergulho na história de outras mulheres
Um convite de imersão para dentro de mim mesma
Falar e sentir a verdade
Desnudar a nossa alma
Eis que um grande abraço se formou





Um círculo em uma mandala
Árvores tortuosas e frondosas
Sinfonia de cigarras e
Morcegos assustadores
Eis que uma tribo se formou
                                                                                        


Uma história de dor   
Outra história de dor
Algumas histórias de dor
Sentir e reconhecer a dor
Eis que um grande colo se formou






                                                
Um grupo cheio de vida         
Uma não! Duas cachoeiras
Água que flui e que limpa
Permissão para ser
Eis que a liberdade se formou







Uma fogueira imensa
Cajados e salamandras
A guerreira e o olhar
Reconhecer o outro que nos habita
Eis que uma força se formou




Um grupo de mulheres                           Um encontro anscestral
Mães, guerreiras, geradoras e protetoras
Dança, canto, sorriso
Eis que uma roda se formou



                                         
              

Uma mulher guia
Muitas mulheres vivas
Tempo de se reconhecer, 
se abrir e se entregar
Terra, fogo, água e ar
Eis que um espelho se formou

Gratidão ao Universo por esse Encontro!


(Sentimentos ainda ecoando da Imersão com a Naoli Vinaver: Encantos do corpo e da alma: o poder do feminino, realizada de 07 a 09 de novembro em Uberlândia- MG)
Crédito das fotos: Kelly Mamede, Gi do Prado, Maria Rosa (amigas e doulas especiais!)

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O SUS que quer dar certo: a Humanização do Parto em Uberlândia

Hoje resolvi registrar aqui uma atividade realizada há menos de 3 meses no Hospital Municipal e que faz parte de uma série de ações que estão sendo realizadas pela Secretaria de Saúde de Uberlândia afim de promover a reflexão e melhorar a assistência obstétrica nos vários pontos da rede que acompanham a mulher e sua família durante à gestação, parto e pós-parto....
Muita coisa ainda para melhorar mas gostaria de deixar registrado também a parte boa da história em nossa cidade....
Desde o início do ano que eu assumi a função de Apoiadora da Humanização do Parto e Nascimento no SUS de Uberlândia e tenho visto muito interesse e envolvimento dos profissionais no assunto.
O Hospital Municipal tem feito um trabalho bem interessante no que diz respeito ao incentivo ao parto normal com menos intervenções e também tem acolhido com carinho tudo que é proposto em relação à Humanização...
Aqui só um exemplo de várias outras atividades e encontros realizados (o texto foi escrito na época)

SOBRE O EVENTO DE HUMANIZAÇÃO DO PARTO E NASCIMENTO REALIZADO NO HOSPITAL MUNICIPAL

            Sexta-feira passada, dia 01/08/2014, pela manhã, realizamos uma Roda de Conversa sobre “Recursos não farmacológicos de alívio da dor durante o trabalho de parto”, no Hospital Municipal, para profissionais da saúde de dois pontos cruciais da Rede SUS: o próprio Hospital Municipal e a UAI Martins, Unidade de Pronto Atendimento de referência para todas as gestantes da Rede.
        Foram nove palestrantes, sendo duas (eu e a Dra Bárbara, coordenadora da Saúde da Mulher) convidadas para contextualizar a realidade atual de nossa Rede e os(as) demais (2 médicas, 1 médico, 2 psicólogas, 1 enfermeira obstetra e 1 arte-educadora e eutonista) como apresentadores(as) de recursos e técnicas possíveis de serem utilizadas de forma substitutível ou complementar aos recursos farmacológicos.
·         Método Lamaze (Marília Celeste Matos Druczkoski – Médica ginecologista, homeopata, acupunturista e instrutora de yoga de Irati (PR)
·         O papel da doula e do acompanhante (Maria Augusta Silvestre de Melo – Psicóloga, mestre em Ciências da Comunicação, estudiosa do processo de gestação e nascimento há mais de 20 anos)
·         Hipnoterapia (Livia Silva Alvarenga Behnke – Psicóloga, hipnoterapeuta, doula e apoiadora da mulher)
·         Acupuntura e Moxa (Walid Makin Fahmy – Médico ginecologista e obstetra, acupunturista, coordenador da Obstetrícia do Hospital Municipal de Uberlândia)
·         Medicina Antroposófica (Tania Helena Alvares – Médica mestre em Nefrologia com formação ampliada pela Medicina Antroposófica, fundadora do Instituto Ajnar e médica do Núcleo de Práticas Integrativas da Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia)
·         Eutonia (Fernanda Bevilaqua – Diretora artística do UAI Q Dança, pedagoga, especialista em Arte Educação, eutonista e cadeísta GDS)
·         Recursos atualmente disponíveis no Hospital Municipal (Luana Rodrigues Ferreira Silva – Enfermeira obstetra do Hospital Municipal de Uberlândia, mestre em Ciências da Saúde, Apoiadora do Programa de Qualificação da Assistência Perinatal de Minas Gerais



        É com emoção e gratidão que comunico que o auditório estava lotado, com mais de 55 participantes (20 médicos, 28 enfermeiros e técnicos de enfermagem e 7 de outras categorias profissionais, dentre psicólogos, assistentes sociais e doulas). O que demonstra abertura, interesse e envolvimento da Rede com o assunto.
        E a cada palestrante, mais emoção eu sentia. A gente, no coração de um grande hospital, falando de um outro modelo de saúde e de assistência, que compreende o humano (no caso mais específico, a mulher) como um ser bio, psico, social e espiritual e o acolhe como tal. Pensando no trabalho de parto como um processo natural e saudável e consequentemente a “dor” como algo que diz sobre o processo e que, portanto, necessita ser considerado... “afinal, qual o problema de sentir dor?”, “e a dor não é só física, é dor da alma”, “pontos energéticos, toque, olhar...”, “saber a história  que cada um traz”, “evidências científicas”, “acolhimento, respeito, silêncio”, foram sentimentos e palavras que circularam pelo discurso de cada um e de todos...  Um momento de encontro, de reconhecimento e de aprendizado.
        Falar de humanização é falar de todos os envolvidos, é focar nas necessidades dos indivíduos e oferecer condições de uma vivência dos processos (saúde, doença, vida) de forma mais autônoma, pessoal e respeitosa. No final, os participantes puderam questionar, falar, se expressar... Fica evidente a necessidade de fala e de comunicação que nós, profissionais, carecemos. Que possamos nos encontrar mais, nos acolher e buscar soluções para os desafios. Obrigada, de coração aos que doaram seu tempo para esse encontro. E para os palestrantes, que doaram além de seu tempo, suas experiências e paixões, um grande e apertado abraço na alma. Vocês fazem a diferença no Mundo! Nos encontramos novamente, em breve!

     Alessandra Araújo
Apoiadora de Humanização do Parto e Nascimento

Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia





                                 


                                                  


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Casa da Árvore



Hoje, nasce mais um filhote, de uma longa história...

Quem acompanha nosso blog ou nossa caminhada real sabe que educação é um tema que nos perpassa e sabe também que temos experimentado e buscado cada vez mais ser coerentes com aquilo que acreditamos. Tarefa não muito fácil. Mas a cada passo em sua direção, mais possível.
Hoje, compartilhamos o nascimento de um site. E com ele, abrimos, também, mais possibilidade de diálogo.

Enfim, apresento aos interessados, a nossa Casa da Árvore!!!
Sejam bem-vindos!

http://www.comunidadecasadaarvore.org/


sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Sobre partos e bruxarias: ainda o Caso Madrecor

Era uma vez...

Ano de 1587, condado de Dilligen, na Baviera (hoje, Alemanha)
Nome: Walpurga
Profissão: parteira (por 19 anos)
Processo: condenada pela Igreja Cristã por praticar bruxarias e fazer sacrifícios com bebês
Desfecho: Sua casa foi invadida, seu "livro de feitiços" confiscado, ela sofreu torturas e teve sua mão direita decepada (com a qual fez o juramento de parteira) antes de ser queimada viva na fogueira.

Era ontem...

Ano de 2014, cidade de Uberlândia, Brasil
Nome: Simone, Luciana e Patrícia (nomes fictícios por questão de preservação da imagem das minhas amigas, rs....)
Profissão: médicas obstetras
Processo: condenadas por um Hospital por praticarem atos ilícitos e inseguros dentro do seu estabelecimento
Desfecho: Proibição da assistência humanizada ao parto dentro do Hospital, ameaça de descredenciamento das mesmas do seu quadro de profissionais por descumprirem as normas da Instituição, alegação verbal, em audiência na Promotoria, de que as médicas não são bem-vindas e que ninguém as quer ali nem o tipo de assistência que elas praticam dentro do Hospital deles... “Nós somos uma empresa privada, que visa lucro e temos o direito de fazer o que a gente quiser... por que vocês não procuram a turma de vocês e nos deixam em paz? Por que a insistência em oferecer isso no nosso hospital? Isso não diz respeito a nós, não somos SUS e não precisamos seguir nenhuma regulamentação do Ministério da Saúde” (etc e tal...).

Parece ficção científica, poderia ser um filme de terror, mas em ambos os casos, os relatos são parte do registro histórico e refletem a visão que criamos culturalmente frente ao universo do nascimento.
Nossa atual compreensão do fenômeno do parto e nascimento reflete exatamente a influência do pensamento cristão na época de Walpurga: a imagem da mulher como ser puro e assexuado, o corpo como algo sujo e mundano e que precisa ser negado, a soberania machista e controladora. Para impor o pensamento cristão, era necessário passar o controle sobre o nascimento aos homens (parceria da Igreja com a Medicina) e desacreditar a sabedoria das mulheres (parteiras), sobrepor a razão ao instinto e à emoção. Era ainda preciso fragilizar o corpo das mulheres, incapacitá-las e purificar o nascimento desassociando-o dos órgãos sexuais. Como fazer isso? Com ameaças, com medo e terrorismo, com violência e com controle social: quem fugisse à regra seria condenado e executado... Muitas foram as mulheres queimadas...

Ontem, aconteceu uma Audiência no Ministério Público Estadual, em Uberlândia, sobre o caso da proibição no tal Hospital Hospital e Maternidade (leia o Termo da Audiência aqui). Um encontro entre Mulheres (inclui aqui também profissionais e homens que apoiam a causa, éramos 7 mulheres e 1 homem) e os representantes do Hospital (4 homens e 1 mulher) para tentar chegar a um acordo sobre a necessidade do mesmo aceitar as gestantes que desejarem ter uma assistência humanizada ao parto.

O Hospital, mais uma vez, se mostrou insensível ao assunto, irredutível à possibilidade do diálogo. Isso ficou claro pela postura do advogado do Hospital, que gritou durante 3 horas e fez questão de frisar que “não estava nos ofendendo até porque nem sequer estava dirigindo o seu olhar para nós.” Sim, ele falava de nós, nos interrompia, nos chamava de mentirosas mas NÃO NOS OLHAVA, como se não fôssemos dignas de ser consideradas na conversa. Aliás, ele também questionou várias vezes o porquê de haver outros profissionais ali, do nosso lado, que não eram associados ao Hospital. Até tentou expulsar da sala o pediatra que nos apoiava e desmentia as alegações incabíveis deles, alegando que ele não tinha nada a ver com o caso. Nesse momento, o Promotor foi bem sensato, "abaixando a bola" do gritador, reforçando que o pediatra era muito bem-vindo e dando espaço e destaque para a sua fala.

Em suma, o Hospital pintou um quadro horroroso do que eles imaginam ser o parto humanizado: falas distorcidas, assustadoras e irreais (de “comedoras de placentas” que se esfregam em todas as paredes do Hospital e que depois se trancam no quarto cheio de fezes com o bebê roxo, com uma médica que recusa ajuda da enfermagem e do pediatra e que ficam tirando fotos enquanto o bebê sofre...).

E, pasmem: o Documento de inspeção realizado pela Vigilância Sanitária, a pedido do Promotor ao Hospital, foi realizado baseado nas informações colhidas com os mesmos representantes  do Hospital que estavam lá na Audiência!! Ou seja, eles fizeram a inspeção baseados na versão horrorosa que lhes foi contada... Até eu não ia querer parir sob as condições horripilantes que eles pintaram... 

“(...) a bruxa ganhou uma poção de unguento (...). Com essa poção, Walpurga dizia ter assassinado mais de 40 recém-nascidos, todos de famílias cristãs. Quando não morriam intoxicados, eram asfixiados ou tinham seus crânios esmagados (...). Ela também realizava missas negras e rituais do mal (...).” (Revista Mundo Estranho, outubro de 2014).

Eu, mulher, profissional e defensora da humanização do parto e nascimento, senti na pele a dor de Walpurga e tantas outras “bruxas” condenadas durante a Inquisição. Elas não se adequaram ao novo perfil de mulher, elas não se submeteram ao poder, elas não se calaram... Ontem, a cultura ainda dominante, da hegemonia do paradigma do parto tecnocrático, hospitalocêntrico e medicalocêntrico, se mostrou presente na Audiência, personificada nos representantes do Hospital. Gritos, deboches, falsas alegações, atravessamento de nossas falas... é assim o jogo deles. E, por mais que a gente não se interesse por esse jogo, sentimos suas consequências. Todas nós saímos de lá com a sensação de termos sido agredidas, sentimos na alma um pouco do que lutamos diariamente para combater: a violência obstétrica.

Quando um Hospital mostra seu desconhecimento sobre o que é a assistência humanizada ao parto, quando ele diz que é uma empresa privada e que sua preocupação é o lucro e não as diretrizes e regulamentações do Ministério da Saúde, quando ele pede que fique bem claro e registrado na Ata da Audiência que é definitivamente contra a assistência humanizada ao parto e que irá continuar realizando apenas “partos desumanizados”, ele está praticando um ato de violência contra todas as mulheres e o direito de serem respeitadas em suas escolhas.

Não foi fácil testemunhar e participar desse momento. Três horas intermináveis, difíceis, mas não desperdiçadas. Apesar do cansaço, sinto que continuamos avançando, ganhando nosso espaço e nos fazendo visíveis frente ao Sistema. De tudo, agradeço ao Promotor, que se mostrou disposto a nos ouvir, que também segue regras e precisa acatar o que a Vigilância Sanitária (órgão técnico responsável pela vistoria) diz sobre o assunto, e que tentou a todo momento priorizar o interesse imediato dos bebês e gestantes que estão para nascer, lhes assegurando o direito ao parto humanizado. Quanto às demais gestantes e o futuro da assistência humanizada em Uberlândia, ele garantiu que o processo não estava encerrado e que está investindo esforços para compreender mais sobre o assunto e estender a questão a todos os hospitais da cidade. Assim esperamos.

E sobre os próximos passos...

Ontem mesmo acrescentamos mais documentos ao caso, estendendo nosso pedido para a regulamentação do parto humanizado a todos os hospitais da cidade. Documentos obtidos com o apoio imprescindível da de uma associação nacional (Artemis) que visa a atuar como aceleradora social da igualdade de gênero, realizando projetos que promovam a autonomia feminina e a erradicação de todas as formas de violência contra a mulher (ver no final deste texto o Requerimento completo dessa associação encaminhado para todos os Órgãos Federais e Municipais cabíveis quanto às devidas providências frente à proibição do parto humanizado em Uberlândia).

Solicito gentilmente a toda a mídia e pessoas que se interessem em divulgar o assunto, que leiam atentamente esses documentos antes de publicarem suas matérias com as justificativas oficiais do Hospital quanto à proibição do parto humanizado... Lembrando que Assistência Humanizada ao Parto não é uma modalidade de parto! Atendimento Humanizado ao Parto é POLÍTICA NACIONAL DE COMBATE À MORTALIDADE MATERNA E NEONATAL!

E, para o advogado do Hospital, gostaria de destacar que gritos e sarcasmo podem fazer parte do seu teatro para inibir os “adversários” e marcar sua presença, mas, para mim, parece mesmo é mostrar uma insegurança danada, um medo de se expor e de se permitir sentir... de ser humano. Sinto muito que você precise disso para sobreviver e que tenha que afiar suas garras para lutar pelo “seu paciente”. Às vezes, precisamos reconhecer os limites, aceitar que nem todas as intervenções para manter um paciente vivo se justificam... que algumas só pioram o quadro e perpetuam o sofrimento... Como psicóloga que trabalhou vários anos com cuidados paliativos, aprendi na pele que, em alguns momentos, aceitar nossas fragilidades, reconhecer nossos limites, nos permitir viver o momento e abrir o coração para enfrentar de forma lúcida a proximidade do fim é bem mais honroso, ameno e sereno do que ficar lutando, esbravejando e nos desconectando do essencial. Se o "seu Hospital", enquanto instituição privada que se propõe a prestar um atendimento à saúde, está na "UTI em estado grave", não seria a hora de abrir seu coração, de rever sua trajetória e valorizar a parte bonita de sua história (inclusive com o tanto de parto humanizado que já realizou)???* Se o Senhor Advogado conseguisse me escutar por pelo menos meio minuto, eu lhe diria: lute, mas lute pelo que vale a pena ser vivido!

Minha eterna gratidão ao grupo de profissionais e mulheres de Uberlândia que estão dando um exemplo de cidadania, sabedoria e união, sentimentos e ações tão sintonizados com a causa que estamos defendendo... E ainda minha reverência a Walpurga e a todas as outras parteiras queimadas vivas naquela época e na atual...



 * Na audiência o Hospital comunicou que irá fechar a sua Maternidade em fevereiro de 2015. 




sábado, 27 de setembro de 2014

Manifestação em favor do Parto Humanizado: Um ato de Amor

E hoje aconteceu a Manifestação na frente do Hospital Madrecor em Uberlândia. (Quem quiser saber mais sobre o que motivou essa Manifestação, veja aqui). O dia amanheceu nublado, coisa rara ultimamente por essas bandas. E isso foi muito bom para aliviar o calor durante o nosso encontro na porta de entrada do Hospital. As pessoas foram chegando aos poucos, roupas brancas, estampas coloridas com mensagens de nascimentos amorosos e carregando alguns acessórios que logo transformaram e alegraram o ambiente. Várias fotos de partos humanizados que aconteceram justamente nesse hospital foram afixadas nas grades de entrada junto com balões e fitas coloridas. Quem ia chegando ia ajudando.






Foi lindo ver os bebês e as crianças chegando... E quanto bebê! Carrinhos enfeitados, slings, os maiorzinhos caminhando por conta própria. Os que estavam dentro das barrigas sendo massageados por belas pinturas... Um lindo encontro! Uma linda festa! E mesmo quem não se conhecia pessoalmente, se reconhecia... por um mesmo ideal, por uma conversa no face, por um relato ou video de parto compartilhado... E era mesmo dia de se re-encontrar!




E, de repente, éramos uma imensidão de gente... Acho que umas duas centenas... E queríamos nos agrupar, mas o Hospital não permitiu que a gente usasse seu amplo estacionamento e, como a Settran (que depois nos ajudou a bloquear a rua), o jeito foi alguns papais e carrinhos nos ampararem.


Então, uma grande roda se formou, circulando uma energia de amor, de agradecimento, de boas energias... e começamos a cantar, guiados por uma bela voz... e cantamos, dançamos, nos emocionamos... e deixamos nosso recado: Queremos continuar trazendo nossos filhos da forma mais segura, amorosa e respeitosa para eles e para nós, o parto humanizado permite isso e esse grupo é a prova disso, e esse hospital era o grande protagonista dessa história em nossa cidade, não nos abandonem!!!
Discurso esse endossado por algumas presenças ilustres nesse dia marcante: como uma doula bem conhecida da Humanização de Brasília, uma representante do Conselho Federal de Psicologia, representantes do Diretória Acadêmico do Curso de Enfermagem da UFU, além de muitos profissionais da saúde defensores da causa, inclusive médicos de diversas áreas!





No fim, um abraço coletivo do grupo simbolicamente abraçando esse Hospital e o Parto Humanizado e um agradecimento a todo esse tumulto e reviravolta criada por essa nova gerência desse hospital. Obrigada, vocês provocaram esse grande encontro, vocês despertaram esse amor e essa força, de nos mostrar que somos muitos. Que muitos são os bebês que estão felizes, saudáveis e crescendo de forma amorosa desde os seus nascimentos e que estaremos juntos nos momentos tumultuosos para lembrar do que vale a pena ser vivido.

Reforçando que essa manifestação foi uma pequena ação das várias que virão. Por que nosso objetivo é reivindicar o nosso direito de escolha pelo parto seguro e humanizado, reconhecido e respaldado pela Medicina Baseada em Evidências e preconizado pelo Ministério da Saúde. Parto Humanizado é seguro, é legal e é respeitoso. E, semana que vem, mais um passo... Audiência no Ministério Público com os Diretores desse Hospital. Até lá!



Ah! Muitas e muitos foram os que ajudaram intensamente na organização dessa manifestação de hoje, um grande coletivo se formou... e espero que saibam que somos eternamente gratos. Reconhecemos que o Movimento é de todos e isso é que possibilitou a beleza que vivemos nessa tarde de sábado, 27 de setembro de 2014.

Essa foto é simbólica de um grupo muito maior... Valeu!




quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Sobre a proibição do Parto Humanizado em Uberlândia

Era uma vez uma cidade de médio porte (700.000 habitantes), promissora e em franco desenvolvimento e crescimento... Era uma vez uma cidade do Triângulo Mineira famosa por seu moralismo e tradicionalismo do interior... Era uma vez uma terra fértil, gentil e próspera... Era uma vez Uberlândia e sua diversidade...
Nessa cidade, eu moro e me invento há 34 anos.  E nessas últimas semanas me vejo completamente absorvida por um redemoinho que passou por aqui e levantou poeira, fantasmas e uma triste realidade: nossos hospitais particulares (depois eu conto sobre o sistema público!) desconhecem o PARTO HUMANIZADO! E pior! Proíbem em suas dependências que as mulheres tenham esse direito de escolha garantido.
Dia 09 de setembro de 2014, o único hospital particular da cidade que aceitava que algumas médicas conscientes e envolvidas com seu trabalho pudessem realizar uma assistência obstétrica humanizada e em conformidade com todas as diretrizes e regulamentações dos Órgãos de Saúde de referência Nacional e Internacional (Organização Mundial de Saúde, Ministério da Saúde, Política Nacional de Humanização...) decidiu proibir o Parto Humanizado... assim, sem nenhum argumento coerente... meio que alegando o incômodo dos outros pacientes com os “gritos” das mulheres e a falta de estrutura adequada e ainda colocando no meio palavras sobre atos irregulares e ações judiciais contra o Hospital.



Mas ao fazer isso, ele relacionou de forma errada (e tenho certeza que proposital), essa irregularidades e até riscos de erros médicos e processos, com o parto humanizado. SACANAGEM! E ao fazer isso, ele nos dá o direito de resposta, porque as irregularidades do Hospital nada têm a ver com os partos e sim com cobrança indevida (e a parte) dos pacientes com convênio médico... tem uma baita ação na Justiça por causa disso e é muito feio omitir esses dados da conversa!!! Já que querem falar das irregularidades, que falem quais são!!! Ah!!! E sobre os riscos para os bebês e futuros processos, cabe DESTACAR QUE OS PROCESSOS QUE EXISTEM CONTRA O HOSPITAL RELACIONADOS A PARTOS SÃO TODOS DE CESÁREAS OU PARTOS NORMAIS CONVENCIONAIS (os quais eles querem manter!!!) e AINDA NÃO EXISTE NENHUM PROCESSO NA CIDADE CONTRA NENHUMA DAS MÉDICAS QUE REALIZAM ATUALMENTE O PARTO HUMANIZADO NA CIDADE. Então, senhores diretores do Hospital Madrecor, se querem evitar danos e riscos às mulheres e bebês, façam o favor de se atualizarem e buscarem informações respaldadas na Medicina Baseada em Evidências! Estudem! Conheçam primeiro o que é o parto humanizado, como é a assistência e quais são as porcentagens de “sucesso”, antes de divulgarem informações truncadas!
 (Aqui alguns artigos científicos e documentos sobre o assunto)

Sobre a falta de estrutura adequada para o parto humanizado... Isso aí até que eu concordo, porque realmente o Hospital e Maternidade Madrecor NÃO ESTÁ REGULAMENTADO PARA FUNCIONAR COMO MATERNIDADE!!! (Assim como nenhum outro hospital da cidade). E precisamos falar sobre isso.

Desde 2008, existe uma Resolução Nacional, a RDC-36, que dispõe sobre Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal, com a qual qualquer Hospital que pretenda oferecer assistência obstétrica deveria estar de acordo. E nela, o parto humanizado, a sala PPP (pre-parto, parto e pós parto), a presença do acompanhante de escolha da mulher, a assistência humanizada ao bebê e todo o resto que vocês estão querendo proibir, está contemplado... Vale dar uma lida toda semana, para ver se abre alguma possibilidade de diálogo e coerência no discurso! E a RDC-36, é só o começo! Hoje existem várias portarias e estratégias recomendadas pelo Ministério da Saúde que estão todas diretamente envolvidas com a Humanização do Parto e Nascimento e todas com respaldo científico garantindo que a assistência individualizada, a não intervenção instrumental ou medicamentosa sem necessidade, o respeito ao processo fisiológico, o ambiente acolhedor e a presença de pessoas de confiança da mulher e amorosas reduzem (E MUITO) o risco de complicações durante o nascimento.

Redução de mortes maternas e neo-natais, vocês adoram falar sobre isso e apesar do excesso de cesarianas, esses índices continuam altos!!! Proponho a gente conversar com estatística, senhores diretores das Maternidades de Uberlândia. Topam? Pegamos o número total de nascimentos, separamos os humanizados, das cesáreas eletivas e partos convencionais (adorei essa denominação, rs) e comparamos as porcentagens das complicações... Vamos ver quem ganha??? Não estou nem sugerindo uma pesquisa de satisfação das usuárias, mas se quiserem, tb podemos acrescentar. Lembrando que em nenhum momento eu disse que não existe risco no parto humanizado... é claro que existe e não o descartamos, lidamos com o evento de forma consciente, com todo suporte técnico e atenção que o mesmo requer, e talvez até por isso, o risco pode ser minimizado e identificado rapidamente... PARTO HUMANIZADO NÃO É PARTO DESASSISTIDO! NÃO É PARTO SEM EQUIPE DE SAÚDE! NÃO É PARTO SEM ESTRUTURA! NÃO É PARTO COM DOR!!! É um parto com muito acompanhamento e assistência, praticamente o tempo todo, mas que os recursos e intervenções só são utilizados se necessário, depois de avaliação individual e delicada do caso e com o consentimento das pessoas mais interessadas na saúde e bem estar do processo: a mulher, seu acompanhante e o bebê. E se for o caso de fazer algum procedimento (incluindo uma cesárea), que ele seja feito e será muito bem vindo... Temos histórias de partos humanizados com ocitocina, com centro cirúrgico, com analgesia, com episiotomia, com cesariana, com UTI neo-natal... sim, temos, e nos orgulhamos de contar que isso fez parte da história daquele nascimento e não dos protocolos genéricos do hospital. E temos mais uma porção de histórias de partos naturais, sem nenhuma intervenção e igualmente MARAVILHOSAS!!! Ai, como eu queria que vocês, senhores diretores, nos permitissem contar essas histórias, uma a uma... Ai, como eu queria que vocês sentissem na pele aquela onda de amor que preenche uma sala, uma casa, um hospital, o Universo, quando nasce um bebê de forma amorosa, respeitosa, acolhedora, HUMANIZADA...

E quando eu digo “senhores diretores”, incluo aqui todos diretores de Hospitais que ainda desconhecem o parto humanizado... e ainda, todos os gestores e todos os envolvidos com a saúde e que as vezes fazem comentários infundados e descabidos a esse novo paradigma da assistência ao parto e nascimento.

Mas preciso também agradecer, em nome de todo o Movimento em Prol da Regulamentação do Parto Humanizado em Uberlândia, que surgiu a partir desse acontecimento específico do Madrecor. Sim, as desgraças nos mobilizam a agir, a nos unir e a nos fortalecer. E foi isso que está acontecendo por aqui. Uma grande manifestação está acontecendo, nas redes sociais e fora dela, por causa disso. Muitas mulheres e homens revelando suas lindas e emocionantes histórias de partos humanizados e pedindo para que a gente possa continuar tendo essa possibilidade de escolha... Muitas barrigudas reivindicando seus direitos... Muitas profissionais engajadas e dando apoio e suporte técnico e científico ao Movimento... Nosso próximo passo é uma Manifestação Pacífica em frente ao Hospital no sábado, dia 27/09, às 16 horas... E semana que vem, uma Audiência na Promotoria com o Hospital em pauta... Quem quiser acompanhar e contribuir mais de parto, junte-se no face, por aqui.


Artigos, Documentos, Legislação e Vídeos sobre Parto Humanizado

Vídeo reportagem da Assembleia de Minas Gerais sobre as diretrizes em relação ao parto no Estado (Projeto Estadual de Humanização do Parto)
Projeto Federal de Humanização do Parto

Lei municipal de humanização do parto em São Paulo

Maternidade segura (documento da OMS de 2009)

Cadernos da Politica Nacional de Humanização (Humaniza SUS) sobre parto humanizado 2014

Publicação do Ministério da Saúde: "Parto, Aborto e Puerperio, assistência humanizada a mulher - 2001"

Revisão sobre Assistência ao segundo e terceiro períodos do
trabalho de parto baseada em evidências

Revisão sobre Recursos não-farmacológicos no trabalho de
parto: protocolo assistência

Benefícios do Parto na Água

Cesariana não diminui risco de paralisia cerebral:

Cesariana eletiva dobra risco de morte do bebê

Jejum no trabalho de parto é prejudicial

Revisão sistemática de parto normal após duas cesáreas comparado com após 1 cesárea e com terceira cesárea.

Não se deve considerar fase ativa do trabalho de parto antes dos 6 cm de dilatação. Essa prática não aumenta riscos e diminui taxa de cesarianas.

Do ponto de vista médico, permanece o índice de 10 a 15% de cesarianas como o máximo recomendável (2014)
  
Documentário sobre Parto Humanizado no SUS (Hospital Sofia Feldman)

Sobre os partos no Brasil