terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Sobre o caminhar da Humanização do Parto no SUS de Uberlândia.

     Quem me conhece sabe que tendo a ser otimista. Aprendi a ver, reconhecer e me focar nas coisas boas e isso faz toda a diferença na forma de ver o Mundo. E esse texto escrevo sob esse viés, com o intuito de compartilhar as coisas boas, as conquistas e alegrias que realmente aconteceram esse ano no SUS de Uberlândia em relação à Humanização do Parto e Nascimento.
     Não sou ingênua, não desconsidero o momento político e a crise que temos enfrentado em nosso país e, mais especificamente, na gestão pública do município. Mas, apesar disto, fico pensando que a gente merece sim divulgar e compartilhar as coisas especiais também.
     2016 foi um ano de muito investimento na Capacitação dos profissionais da Secretaria Municipal de Saúde em relação à humanização do parto.

     Realizamos um Grande Encontro Temático organizado intersetorialmente para discutir questões super atuais relacionadas ao cuidado com a primeira infância



     Organizamos, Secretaria de Saúde + Hospital Municipal, uma Semana de Assistência ao Parto e Nascimento para os profissionais desse hospital, a fim de discutir e propor adequações da assistência ao parto, especialmente no que diz respeito ao acolhimento dos bebês.


     E, o que para mim, foi a mais surpreendente e gratificante ação, elaboramos e concluímos a capacitação de duas turmas de profissionais da Atenção Básica num Curso de Formação para Facilitadores de Grupos de Gestantes. Foram 20 Unidades de Saúde selecionadas para essa primeira etapa do curso, com mais de 60 profissionais capacitados. Uma capacitação dividida em 6 encontros, embasada na metodologia de roda, super vivencial e afetiva, mas também com um conteúdo teórico riquíssimo. 
     Acreditar no potencial da Rede e dos profissionais e ter o retornos dos mesmos, a cada encontro, a cada reflexão, a cada depoimento, foi mágico. Tenho plena convicção que a transformação efetiva e eficaz da mudança de prática de um paradigma tecnocrático e hospitalocêntrico para um modelo humanizado e baseado em evidências científicas, se dá muito mais por meio do coração do que por decretos, protocolos ou leis (embora também necessários).
     A proposta é continuar esse formato de capacitação e ir ao longo do tempo capacitando toda a Rede... 




     E por fim, a apresentação desse trabalho desenvolvido como Apoiadora da Humanização do Parto e Nascimento ao longo desses últimos 3 anos na Mostra Internacional de Boas Práticas em Gestão e Cuidado na Atenção Perinatal na IV Conferência Internacional sobre Humanização do Parto e Nascimento que aconteceu agora em novembro de 2016.


    E assim, encerro o ano, com a sensação de que vale a pena investir naquilo que acreditamos. Com fé de que a luta diária, quando regada por amor e solidariedade, vale a pena. 
     Continuemos, acreditando e fazendo a parte que nos cabe nesse emaranhado de Vida.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Os fundamentos biológicos da educação autodirigida

Os fundamentos biológicos da educação autodirigida

Os quatro impulsos inatos poderosos que levam as crianças a educarem a si mesmas


Tradução de Luís Gustavo Guadalupe Silveira
Em diversos posts anteriores eu afirmei que as crianças vêm ao mundo biologicamente projetadas para se educarem a si mesmas. A evidência vem da observação das incríveis capacidades de aprendizagem das crianças antes delas entrarem na escola (aqui), do modo como crianças e adolescentes em culturas de caçadores-coletores educam a si mesmas (aqui), do modo como as crianças se educam atualmente nas escolas democráticas (aqui e aqui) e nas famílias que praticam a desescolarização (aqui e aqui).

    Neste post eu quero ser um pouco mais preciso com relação à base biológica da educação autodirigida. Ela se sustenta, eu acredito, em quatro impulsos poderosos que existem em toda criança normal:  curiosidade, ludicidade, sociabilidade, e engenhosidade. Os fundamentos desses impulsos estão codificados em nosso DNA, moldados pela seleção natural ao longo de nossa história evolutiva, para servir à educação. Nossas escolas convencionais suprimem deliberadamente esses impulsos, especialmente os três primeiros, com o intuito de promover conformidade e de manter as crianças presas ao currículo da escola.  Diferentemente, a educação autodirigida – como acontece em famílias desescolarizadas e em escolas democráticas – opera permitindo o florescimento desses impulsos. Aqui irei falar um pouco sobre cada um desses impulsos e como eles interagem entre si para promover a educação:

Curiosidade

    Aristóteles começou seu grande tratado sobre a origem do conhecimento (a Metafísica) com estas palavras: “Os seres humanos são naturalmente curiosos.” Nada pode ser mais verdadeiro. Nós somos intensamente curiosos, do nascimento até, em muitos casos, a hora da nossa morte. Logo nas primeiras horas após o nascimento, os bebês começam a olhar por mais tempo para novos objetos do que para objetos que já viram. À medida que ganham mobilidade, primeiro com os braços e mãos e depois com as pernas, eles usam essa mobilidade para explorar domínios cada vez mais amplos em seus arredores. Eles querem entender os objetos em seu ambiente e querem, especialmente, saber o que podem fazer com esses objetos. É por isso que eles estão continuamente mexendo com as coisas, sempre explorando. É por isso que, uma vez tendo adquirido a linguagem, eles fazem tantas perguntas. Tal curiosidade não diminui à medida que as crianças crescem, a menos que a escola a destrua, mas continua a motivar maneiras cada vez mais sofisticadas de exploração e experimentação em áreas cada vez maiores do ambiente. As crianças são, por natureza, cientistas.

Ludicidade

    O impulso de brincar serve à educação de modo complementar àquele da curiosidade. Enquanto a curiosidade motiva as crianças a buscar conhecimento e compreensão, a ludicidade as motiva a praticar novas habilidades e usar essas habilidades de maneira criativa. Crianças de todos os lugares, quando são livres e têm companheiros suficientes, passam muito tempo brincando. Elas brincam para se divertir, não para se educar de propósito, mas a educação é o efeito colateral que explica a presença do forte impulso para brincar ao longo da evolução. Elas brincam com todo o leque de habilidades que são cruciais para sua sobrevivência e seu bem-estar a longo prazo.

• Elas brincam com o corpo, sobem em árvores, perseguem umas às outras, fazem lutinhas, e é assim que elas desenvolvem corpos fortes e movimentos graciosos.

Elas brincam com o perigo, e é assim que elas aprendem a lidar com o medo e desenvolvem a coragem (aqui).

Elas brincam com a linguagem, e é assim que elas aprendem a se comunicar bem.

Elas brincam socialmente, com outras crianças, e é assim que elas aprendem a negociar, ceder e a se dar bem com os companheiros (aqui).

Elas realizam brincadeiras com regras implícitas ou explícitas, e é assim que aprendem a obedecer regras.

Elas brincam de faz-de-conta, e é assim que elas aprendem a pensar de forma criativa e hipotética.

Elas brincam com a lógica, e é assim que elas se tornam intelectualmente consistentes.

Elas brincam com blocos de montar, e é assim que elas aprendem a construir.

Elas brincam com as ferramentas da sua cultura, e é assim que elas se tornam competentes no uso dessas ferramentas.

    A brincadeira não é um intervalo da educação; ela É educação. As crianças aprendem muito mais com as brincadeiras, e com muito mais alegria, do que poderiam aprender numa sala de aula. (Para saber mais sobre o que as crianças aprendem por meio de brincadeiras, veja aqui.)

Sociabilidade

    Nós humanos não somos apenas os mamíferos mais curiosos e brincalhões, mas também os mais sociais. Nossas crianças vêm ao mundo com uma compreensão instintiva de que sua sobrevivência e bem-estar dependem de sua habilidade de se conectar e aprender com outras pessoas. Todos os seres humanos, mas especialmente os mais jovens, querem saber o que as pessoas ao seu redor sabem e também compartilhar seus próprios pensamentos e conhecimentos com os outros. Antropólogos relatam que crianças de todos os lugares aprendem mais observando e ouvindo as pessoas ao seu redor do que de qualquer outra maneira.[1]

    Nossa adaptação mais específica para a vida social, que aumenta imensamente nossa habilidade de aprender uns com os outros, é a linguagem. Praticamente assim que aprendem a falar, as crianças começam a fazer perguntas. Elas não querem ouvir sobre assuntos que não lhes interessam, mas praticamente exigem que lhes falem sobre as coisas que interessam. A linguagem permite que nós compartilhemos todo tipo de informação uns com os outros. Ela nos permite falar uns para os outros não somente sobre o presente, mas também sobre o passado, o futuro e o hipotético. Como o filósofo Daniel Dennett escreveu num capítulo sobre linguagem e inteligência: “Comparar nossos cérebros com os de pássaros ou golfinhos não faz sentido, pois nossos cérebros estão com efeito conectados em um sistema cognitivo único que supera todos os outros. Eles estão reunidos por uma inovação que invadiu somente os nossos cérebros e nenhum outro: a linguagem.”[2] Hoje, graças à internet, esse sistema cognitivo está maior do que nunca. Os jovens com conexão à internet podem acessar todo um mundo de hipóteses, ideias e informações. Nunca foi tão fácil realizar uma educação autodirigida.

Engenhosidade

    Nós, muito mais que qualquer outra espécie, temos a capacidade de pensar no futuro. Na verdade, somos inclinados a fazer isso. Nós não reagimos apenas a situações imediatas; nós antecipamos situações futuras, fazemos planos e seguimos esses planos. Esse é o impulso educacional básico mais conscientemente cognitivo, e se desenvolve mais lentamente que os outros. À medida que as crianças crescem, elas se tornam cada vez mais capazes e motivadas a planejar mais e mais o futuro. Esse é o impulso que leva os aprendizes autodirigidos a pensar sobre seus objetivos de vida, grandes e pequenos, a buscar deliberadamente o conhecimento e a praticar as habilidades necessárias para realizar essas metas. Cientistas cognitivos se referem a essa capacidade de fazer e executar planos como “função executiva autodirigida”. Suas pesquisas mostraram que crianças que têm muito tempo livre para brincar e explorar por conta própria e com outras crianças, independentemente de adultos, desenvolvem mais plenamente essa capacidade do que crianças que passam mais tempo em atividades estruturada por adultos. [3] Isso não é surpresa nenhuma. Quando as crianças criam suas próprias atividades, sem controle adulto, elas continuamente praticam a habilidade de fazer e executar planos. Elas cometem erros, mas aprendem com esses erros.


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[Recado de Peter Gray]
O que você pensa sobre o assunto? Este blog é, entre outras coisas, um fórum de discussão. O que eu deixei passar aqui? Baseado em suas observações, quais parecem ser os impulsos inatos que motivam as crianças de maneira tão intensa a aprender sobre o mundo ao seu redor e desenvolver as habilidades necessárias para uma vida satisfatória e significativa? Como sempre, eu prefiro que vocês postem suas ideias e perguntas aqui, na seção de comentários, do que enviá-los para mim via e-mail. Postando-os aqui, vocês os compartilham com outros leitores, não só comigo. Eu tento ler todos os comentários e responder todas as perguntas sérias quando penso que tenho algo que vale a pena dizer. Naturalmente, se você tiver algo para dizer que se aplica somente a você e a mim, envie então um e-mail, mas não garanto a resposta, pois frequentemente recebo mais e-mails do que consigo responder.

Veja também meu livro Free to Learn, os sites alternativestoschool.com e self-directed.org (para saber mais sobre ASDE), e junte-se a mim no Facebook.

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Referências

[1] Lancy, D. F., Bock, J., & Gaskins, S. (2010). Putting learning into context. In D. F. Lancy, J. Bock, & S. Gaskins (Eds.), The anthropology of learning in childhood, 3–10. Lanham, MD: AltaMira Press.

[2] Dennett, D. C. (1994). Language and intelligence. In J. Khalfa (Ed.), What is intelligence? Cambridge: Cambridge University Press.

[3] Barker, J. et al (2014). Less-structured time in children’s lives predicts self-directed executive functioning. Frontiers in Psychology, 5, 1-16.

Crédito da imagem: Sudbury Valley School

domingo, 4 de dezembro de 2016

A Menina e a Mulher

Nos encontramos nessa Vida há 37 anos. Hoje, na maior parte do tempo, Ela é uma  velha conhecida. Mesmo assim, em alguns momentos, sinto como se tivesse acabado de conhecê-la. Essa minha antiga companheira. Quantas vidas, histórias e aventuras já vivemos juntas. Tantas que nem sei.

Marquei um encontro com Ela. No dia de seu aniversário. Sozinha! Era necessário intimidade, tempo, dedicação. Nosso momento de nos re-conhecer. Só nós!
Ando sentindo necessidade de olhar para ela. De buscar traços conhecidos. De admirar as novas marcas do tempo. De sentir seu coração, o ritmo pulsante, de ouvir as histórias do seu caminhar, sonhos realizados e os que ainda estão surgindo.

E assim, nesse encontro, que foi nesse dia, mas que também tem sido uma busca diária, pude mergulhar para dentro de mim mesma, "aterrissar" em meu próprio coração. E, nesse lugar tão íntimo, deixar a mulher madura e a menina feliz se enamorarem uma pela outra. Me encontrar com Ela, comigo mesma.

A minha menina vive num balanço. Doce, sorridente, sonhadora. A minha menina sempre quer agradar, sempre quer corresponder a todas as expectativas criadas para ela. A minha menina adora colo e atenção e luta eternamente com sua timidez. Ela é observadora, delicada e sempre espera a sua vez.

A minha mulher tem olhar de serpente. Ousada, insubordinada, questionadora. A minha mulher precisa dizer não para aquilo que a incomoda e não aceita intimidação. Ela gosta de desafios e enfrenta a vida de frente. Ela sabe lidar com seu poder, com sua sabedoria, com sua criatividade e não poupa esforços para construir seus próprios caminhos.

Nesse nosso encontro, ficamos, as duas, em uma longa e silenciosa conversa. Antigas companheiras, numa dança vital de sobrevivência.

Por um longo tempo, por um acordo estratégico, demos um pouco mais de espaço para a Menina. Aos 37 anos, não mais. A Mulher tem construído seu templo. E a re-adaptação é de ambas.
No fim, a certeza do re-encontro e da necessidade urgente de vários outros encontros, a sós, só nós!