terça-feira, 29 de abril de 2014

Sobre sogras

Nesse exato momento meu marido está na rodoviária com os meus filhos, se despedindo da minha sogra. Ela ficou 2 semanas aqui em casa, como é costume quando vem aqui pra nossa cidade (umas três? vezes ao ano) e sabe o que eu tenho vontade de dizer a ela???

Fique mais um pouco, sentiremos sua falta.

Esse ano completo dez anos de casada e quatorze de namoro. Fui a um chá de casamento esse final de semana e ouvi a carta que a sogra escreveu de presente para a nora. Começava exatamente assim: "quero ser sua amiga". Me emocionei com a carta e agora me emociono ao pensar em minha sogra. Nem tudo foram ou são flores em nosso relacionamento mas acho que tenho orgulho de termos aprendido a nos respeitar e a gostar da convivência uma com a outra (tô errada sogrinha?).

Há mais ou menos três anos escrevi uma carta para ela na qual desabafava e pedia delicadamente que ela não ficasse na minha casa em determinada data que ela queria vir. Foi difícil escrever e mais ainda lidar com as reações de algumas pessoas da família, mas acho que de tudo que fiz, isso foi uma das coisas que mais me aproximou dela. Justifico: para escrever precisei ser sincera comigo e com ela, precisei me colocar em primeiro lugar e precisei me arriscar a perder o carinho e a amizade dela. Imagino o quanto a carta foi difícil de ser lida por ela e imagino a força que ela precisou enfrentar ao voltar na minha casa algum tempo depois. Mas tudo isso me possibilitou me expressar mais naturalmente e conversar de coração para coração e também me deu mais autonomia de ser a "gerente" da minha casa e da minha vida. Poder falar não, poder impor meus limites e mesmo assim ser aceita por ela, me fez crescer. Obrigada!

Minha sogra é uma mulher que adora terapia, grupos de apoio, círculo de mulheres... vive apresentando um novo livro de "auto-ajuda", uma nova abordagem terapêutica, um novo alimento para cura. Ela está sempre aberta a crescer, evoluir, trabalhar aspectos não-positivos de sua personalidade. E acaba inspirando isso em mim. Foi ela que me deu o livro que me ajudou a emagrecer. Foi ela que me deu o livro que me ajudou a entender as linguagens de amor que eu e meu marido utilizamos. Foi ela que me deu o Tarô das Deusas que eu tanto adoro...

Minha sogra é uma mulher vaidosa, que ama jóias, bolsas e sapatos. E acaba inspirando isso em mim. Foi ela que me deu, me vendeu, ou emprestou a maioria dos meus brincos, anéis, bolsas e sapatos e que me ajuda a escolher as roupas que eu compro quando vou a sua cidade (até aqueles TRÊS vestidos de festas que comprei por insistência dela quando ia comprar apenas um...). Sim, minha sogra também têm tendências a exagerar... mas isso ela também têm se trabalhado.

Enfim, nesse mesmo chá de casamento, refletimos um pouco sobre os laços familiares que abraçamos quando firmamos o casamento com outro alguém. No caso do casamento, ao casarmos, precisamos entender que mesmo que distantes fisicamente, o nosso companheiro carrega com ele sua família e vice-versa e que isso fará parte do pacote, queiramos ou não. No meu caso, queria registrar em público, que me sinto feliz com a família que tenho, com todos os nós, espinhos e apertos que toda família carrega. E me sinto feliz por ter em você, minha sogra, uma amiga.

Minha casa está aberta para você, sempre, mesmo nos momentos que eu precisar fechar a porta.
Obrigada por tudo, por ter gerado e criado seu filho como um homem respeitoso e digno, pelo carinho e paciência com os meus filhos e pelas nossas conversas e reflexões.

Boa viagem e até logo!






terça-feira, 1 de abril de 2014

"Disponibilidade instantânea, sem presença constante"

Olás! Trago aqui mais uma tradução sobre o funcionamento da Sudbury Valley School, desta vez sobre o papel da equipe de funcionários. A publicação foi gentilmente autorizada por Mimsy Sadofsky, fundadora e funcionária da escola desde 1968. A ideia do texto (curtinho) é simples, mas ao mesmo tempo desafiadora! Espero que gostem!





Disponibilidade instantânea, sem presença constante[1]
Hanna Greenberg
Tradução de Luís Gustavo Guadalupe Silveira

Eu li esta citação de Lotte Bailin em algum lugar:
“Disponibilidade instantânea sem presença constante é o melhor uma mãe pode oferecer.”
Acho que é uma citação adorável, e eu a escrevi num pedaço de papel que fica colado em minha escrivaninha. Na semana passada, aconteceram duas situações sem ligação que esclareceram pra mim a razão de eu ter guardado essa citação e o que ela desperta em mim.
Como acontece às vezes na escola, tivemos um pequeno acidente. Uma menina fez uma estrela e bateu com força no braço de sua amiga Lily. Aquilo machucou muito e Mikel, que já havia sido um paramédico, a socorreu. Ele colocou uma tala com muito cuidado no caso de algum osso ter se quebrado e ligou para os pais de Lily para que a buscassem e a levassem ao médico. Para Mikel, a lesão não exigia cuidados urgentes e seria melhor para a criança estar com seus pais do que ser levada para um hospital de ambulância, o que é bem mais traumático.
Isso aconteceu durante uma Assembleia Escolar, quando um assunto importante estava sendo discutido, mas de tempos em tempos um membro preocupado da equipe escapava da Assembleia para ir ver como Lily estava. Todos nós sabíamos que Mikel estava tomando conta dela muito bem, mas simplesmente não conseguíamos dar atenção ao tema da Assembleia sem ver com nossos próprios olhos se Lily estava realmente bem. Mais tarde, eu liguei para Lily para saber como ela estava e sua mãe conversou comigo sobre o acidente.
O que ela disse me deixou estupefata!
A mãe disse que somente agora, após o acidente, ela finalmente entendia como a equipe trabalha na escola. Lily contou para ela quão preocupados e cuidadosos nós tínhamos sido e como ela havia se sentido bem com isso. A mãe entendeu pela primeira vez em quase dois anos que aquilo que parecia uma negligência benigna por parte da equipe era de propósito, e não era negligência de modo algum. Era dar espaço para a criança se desenvolver e crescer livre da interferência de adultos.
O outro incidente aconteceu com um menino em sua excursão para as Montanhas Nevadas. Sua mãe publicou parte do seu diário num Boletim Informativo da SVS[2] em que ela também diz, na seguinte citação, como o incidente a ajudou a entender melhor a filosofia da SVS, depois de estar envolvida com a escola por mais de um ano.
“O fato de tanta atenção ter sido dada ao meu filho durante os últimos cinco dias, por nós e pela equipe da escola, é uma boa mensagem de cuidado e apoio para ele. A maior parte do tempo eu vi a SVS operando com uma negligência benigna, mas nesse caso uma abordagem diferente foi realizada à perfeição. Eu sou grata, e isso me ajudou a ver a SVS de um jeito novo. Basicamente, o que eu vi acontecer foi a equipe atendendo ao seu firme desejo de ir nessa excursão quando decidiu apoiá-lo, de um jeito que mostrava que ele estava pronto para a viagem, ainda que ao fazer isso a equipe acabou tendo mais trabalho e mais responsabilidade.”
O que me surpreendeu nas falas dessas duas mães foi quanto tempo leva de fato, mesmo para aqueles que mandam seus pequenos filhos para a SVS, para entender como a escola realmente funciona. Eles confiam o suficiente em suas crianças para trazê-las à escola e permitir que elas sejam responsáveis por si mesmas, mas os pais não sabem realmente como a equipe trabalha. Na verdade, eu mesma sou incapaz de explicar isso muito bem e eu acho que essa seja uma das causas para a dificuldade que muitos pais têm de matricular seus filhos em nossa escola. O problema é que a negligência benigna parece pura negligência. Somente em circunstâncias extraordinárias os pais conseguem ver como a equipe está interagindo com seus filhos. No dia-a-dia o cuidado e o empoderamento têm lugar o tempo todo, mas de uma forma tão sutil e tranquila que ninguém repara – nem a equipe, nem as crianças, nem os pais. Isso simplesmente ocorre naturalmente. Mas de tempos em tempos as circunstâncias exigem da equipe que ela reúna todos os seus recursos e dirija toda a sua atenção e energia para as questões de um estudante. Quando isso acontece, essa atividade intensa lança luz sobre o que acontece na SVS todo dia de um modo mais silencioso e sutil.
Assim, parece que “disponibilidade sem presença constante” é de fato o que fazemos na SVS. Nem sempre nós respondemos instantaneamente a todos os pedidos, pois nós normalmente estamos ocupados com um estudante ou com qualquer outra coisa que fazemos para manter a escola funcionando. Temos que usar nosso bom senso e decidir em cada caso se continuamos a fazer o que estávamos fazendo ou se paramos para atender a um pedido. Normalmente, marcamos um encontro para depois e isso funciona muito bem. Frequentemente, isso força as crianças a resolver sozinhas seus problemas e isso certamente é outro jeito de elas ganharem confiança em si mesmas. Mas eventualmente acontece algo que não pode esperar e temos que largar tudo para acudir alguém. Nesses casos é fácil para nós responder prontamente, pois todas as crianças sentem a urgência e elas querem que nós ajudemos seu amigo que está encrencado ou sofrendo. O apoio que cada criança dá uma a outra é da mesma qualidade e estilo do apoio dado pela equipe. Elas ajudam quando solicitadas e dão espaço umas às outras quando isso é pedido.
À medida que os anos passam, nós nos tornamos melhores como membros da equipe da SVS. Nós aprendemos a arte de permitir que as crianças sejam nossas guias em atender as suas necessidades e nós fazemos mais por elas quando fazemos menos – não interferindo, enquanto ouvimos cuidadosamente o que elas desejam.



[1] Publicado em SADOFSKY, Mimsy; GREENBERG, Daniel (ed). Reflections on the Sudbury School Concept. Framingham: Sudbury Valley School Press, 1999. p. 110-113.
[2] Sudbury Valley School (NT).