Diferenças entre Educação Autodirigida e Educação Progressista
A tendência no futuro será a Educação Autodirigida, não a educação progressista
Postado
originalmente em 27/07/2017
Por
Peter Gray, professor pesquisador da Universidade de Boston e autor
dos livros Free
to Learn
e
Psychology
Disponível
em:
https://www.psychologytoday.com/intl/blog/freedom-learn/201706/differences-between-self-directed-and-progressive-education?eml
Traduzido
por Luís Gustavo Guadalupe Silveira, membro da equipe da Casa da Árvore
Como
os leitores do meu blog bem sabem, sou um defensor da
Educação
Autodirigida.
Minhas pesquisas, e de outros autores, me convenceram de que a
Educação Autodirigida funciona, é totalmente viável e causa muito
menos problemas para todos se comparada ao sistema de educação
coercitiva que consideramos ser o “padrão.” Educação
Autodirigida, com letras maiúsculas, é o termo que está sendo cada
vez mais usado para nomear a prática educacional de pessoas que se
denominam “desescolarizadas” ou que frequentam escolas ou centros
de aprendizagem especialmente projetados para promover a autodireção,
sem currículos impostos, tais como as escolas democráticas do
modelo Sudbury, Agile Learning Centers e algumas escolas que se
denominam “escolas livres” (Gray,
2017).
Descobri
que quando falo de Educação Autodirigida, algumas pessoas
equivocadamente acreditam que estou tratando de educação
progressista.
A Educação Progressista compartilha muitos dos objetivos da
Educação Autodirigida e seus defensores muitas vezes usam a mesma
linguagem, mas os
fundamentos
filosóficos
são
bem diversos e a metodologia é bem diferente. A seguir, irei revisar
os princípios básicos da educação progressista, depois revisar os
da Educação Autodirigida e, por fim, explicar porquê eu acho que a
última e não a primeira irá se tornar o padrão educacional num
futuro não muito distante.
Educação
Progressista
Educação
Progressista é o termo que geralmente se aplica a um movimento de
reforma educacional que começou no final do século XIX, mais ou
menos na época em que a escola se tornou obrigatória na maioria dos
Estados dos EUA, crescendo e se retraindo pelo menos duas vezes desde
então. O período entre 1890 e 1940 testemunhou o surgimento de
ideias progressistas na educação, o nascimento de muitas escolas
particulares progressistas e alguns esforços combinados para trazer
essas ideias até as escolas públicas. O principal filósofo da
educação progressista na época, pelo menos nos EUA, era John
Dewey. Outros dos primeiros pensadores progressistas na educação
foram Rudolf Steiner (1869-1925) e Maria Montessori (1870-1952),
cujas tradições sobrevivem, respectivamente, nas escolas Waldorf e
Montessori.[1] Ideias educacionais progressistas tenderam a
desaparecer com a Segunda Guerra Mundial e o pós-guerra, ressurgiram
nos anos 1960 e 70 e de modo geral estão enfraquecendo desde os anos
1980. Todavia, atualmente a educação progressista está
reaparecendo em algumas escolas que trabalham com aprendizagem
baseada em projetos.
Educadores
progressistas normalmente enfatizam o aprender fazendo, o aprendizado
contextualizado relevante para as experiências reais dos estudantes,
pensamento crítico,
compreensão
profunda
em lugar de
memorização,
trabalho em grupo e
colaboração
em
lugar de
competição,
avaliação baseada em produtos mais do que em provas, promovem
responsabilidade social, atitudes democráticas e uma preocupação
com justiça social. Geralmente falam de “educar integralmente a
pessoa” e sobre uma educação “centrada no estudante” em
oposição àquela meramente centrada nos conteúdos. Professores
progressistas devem conhecer a individualidade de todos os seus
estudantes e trazer à tona o melhor de cada um.
O
site da
Progressive
Education Network
(uma
organização sem fins lucrativos fundada em 2009 como parte de uma
tentativa de reviver a educação progressista) declara, como sua
missão, que: “A
educação deve (a) ampliar a voz, a participação, a
consciência
e
o intelecto dos estudantes para criar um mundo equânime, justo e
sustentável; (b) encorajar a participação ativa dos estudantes em
sua aprendizagem, em suas comunidades e no mundo; (c) atender às
necessidades do desenvolvimento dos estudantes e focar em seu
desenvolvimento social, emocional, intelectual,
cognitivo,
cultural e físico; (d) honrar e nutrir a curiosidade natural dos
estudantes e seu desejo inato de aprender, estimulando a
motivação
interna
e a descoberta da paixão e do propósito; (e) explicitar os
interesses, experiências, objetivos e necessidades dos diferentes
indivíduos, fomentando empatia, comunicação e colaboração em
meio à diferença; e (f) promover
relações
respeitosamente
colaborativas e críticas, entre estudantes, educadores,
pais/guardiões
e a comunidade.”
Alfie
Kohn, um dos principais defensores da educação progressista
atualmente, afirmou (aqui)
que as escolas podem ser classificadas como mais ou menos
progressistas à medida que elas estiverem comprometidas (a) em dar
atenção à criança como um todo, não apenas aos aspectos
acadêmicos; (b) com a comunidade; (c) com colaboração; (d) com a
justiça social; (e) em estimular a motivação interna; (f) com a
compreensão profunda; (g) com aprendizagem ativa; e (h) em levar as
crianças a sério.
Educadores
progressistas tendem a ver a educação como um esforço colaborativo
entre os estudantes e seu professor. Uma boa parte da iniciativa vem
dos estudantes, mas os professores são responsáveis por guiar essa
iniciativa de forma produtiva. Os interesses internos de cada criança
têm um grande papel, mas o professor “alimenta” ou mesmo “traz
à tona” os interesses da criança. A brincadeira é vista como
parte do processo de aprendizagem, mas o professor guia e interpreta
essa brincadeira de maneiras planejadas para garantir a realização
de certos objetivos educativos.
Educação
Autodirigida
Defensores
da Educação Autodirigida, como os da educação progressista,
enfatizam que a educação é muito mais do que apenas aprendizado
acadêmico. O site da
Alliance
for Self-Directed Education
define
educação como a
soma de tudo que uma pessoa aprende que permite a ela viver uma vida
satisfatória e significativa.
Isso poderia incluir autoconhecimento, habilidades de planejamento e
direcionamento das próprias atividades, habilidades para se
relacionar bem com outras pessoas e compreensão do mundo a sua volta
suficiente para transitar efetivamente nesse mundo. Muitos educadores
progressistas iriam concordar, acredito, com esse tipo de definição
de educação.
A
diferença entre educação progressista e Educação Autodirigida
está no entendimento de como tal educação da pessoa-como-um-todo
acontece. Para o educador progressista, ela surge da colaboração
entre a criança e um professor bondoso e extraordinariamente
competente, que canaliza gentilmente a energia da criança e molda
suas ideias em formas que, a longo prazo, servem ao bem da criança e
da sociedade. Para o defensor da Educação Autodirigida, a educação
surge a partir do impulso natural da criança em conhecer a si mesma
e ao mundo em que vive e usar todos os recursos disponíveis em seu
ambiente,
incluindo pessoas sábias e habilidosas, para alcançar esse fim.
Para
o defensor da Educação Autodirigida, é a inteligência da criança,
não a do professor, que possibilita uma educação bem-sucedida. A
tarefa dos adultos que facilitam a Educação Autodirigida é menos
pesada que a dos professores na educação progressista. Na Educação
Autodirigida, os adultos não precisam ter grandes conhecimentos
sobre cada assunto que o estudante possa querer aprender, não
precisam entender os mecanismos internos da mente de cada criança, e
não têm que ser mestres em pedagogia (o que quer que isso queira
dizer). Ao contrário, eles apenas precisam se certificar de que a
criança está num ambiente que permite que seus instintos naturais
de aprendizagem operem efetivamente. Como eu havia argumentado em
outros lugares (aqui
e
aqui),
este é um ambiente no qual a criança (a) tem tempo e liberdade
ilimitados para brincar e explorar; (b) tem acesso às ferramentas
mais úteis de sua cultura; (c) está imersa numa comunidade
cuidadosa de pessoas de diversas idades, com diferentes habilidades,
conhecimentos e ideias; e (d) tem acesso a alguns adultos dispostos a
responder perguntas (ou tentar responder) e a fornecer ajuda quando
esta for solicitada. É esse o tipo de ambiente encontrado em escolas
ou centros de aprendizagem projetados para a Educação Autodirigida
e também o tipo de ambiente que famílias desescolarizadas
bem-sucedidas oferecem para suas crianças.
A
educação, nesta perspectiva, não é resultado da colaboração
entre o estudante e um professor; mas é de inteira responsabilidade
do estudante. Enquanto educadores progressistas continuam a
considerar que é sua responsabilidade garantir que os estudantes
adquiram certos conhecimentos, habilidades e valores, e avaliar o
progresso dos estudantes, os facilitadores da Educação Autodirigida
não veem isso como sua responsabilidade. Enquanto a educação
progressista representa um continuum
com
a educação tradicional, a Educação Autodirigida representa uma
ruptura completa com a abordagem tradicional.
Gostaria
aqui de apresentar uma distinção, que não foi explicitada antes
(nem mesmo em meus próprios escritos), entre Educação
Autodirigida,
com letras maiúsculas, e educação
autodirigida,
em minúsculas. Proponho que Educação
Autodirigida
seja
usada para se referir à educação de crianças em idade escolar,
cujas famílias tomaram uma decisão deliberada de que as crianças
vão educar a si mesmas ao seguirem seus próprios interesses, sem
serem sujeitadas a um currículo imposto, seja dentro ou fora da
escola. Além disso, proponho que a educação autodirigida, em
letras minúsculas, seja usada de uma maneira mais geral para se
referir a algo que todo ser humano faz o tempo todo em suas vidas.
Estamos todos, constantemente, nos educando a nós mesmos enquanto
buscamos nossos interesses, ganhamos a vida e batalhamos para
resolver nossos problemas cotidianos. A maior parte do que nós
conhecemos – independentemente do tempo de escolarização que
tivemos – veio da educação autodirigida.
Aqueles
que buscam uma Educação Autodirigida estão, com efeito, dizendo
que a educação autodirigida (em minúsculas) é tão poderosa e
efetiva que as crianças não precisam absolutamente de uma educação
imposta, se lhes for oferecido um ambiente que otimize sua habilidade
de educar a si mesmas. Realmente, muitos estão dizendo que uma
educação imposta interfere na educação autodirigida por consumir
muito tempo da criança, transformando a aprendizagem em algo
desagradável e plantando nas mentes das crianças a ideia de que
elas não são capazes de controlar sua própria educação.
Porquê
Eu Penso que a Educação Autodirigida, Não a Educação
Progressista, Vai se Tornar o Padrão de Educação no Futuro
Admiro
os educadores progressistas. Sem exceção, todos que eu conheci são
boas pessoas que se preocupam profundamente com as crianças e querem
melhorar suas vidas. Eles veem os danos causados por nosso sistema de
ensino tradicional e querem fazer algo a respeito. Neste exato
momento, educadores progressistas estão na linha de frente dos
esforços para reduzir os deveres de casa (para que as crianças
tenham uma vida fora da escola), trazer de volta o recreio, reduzir
ou eliminar testes padronizados e permitir que os professores sejam
mais flexíveis e sensíveis às necessidades das crianças em sala
de aula. Estão travando uma batalha difícil, e os admiro por isso.
Mas é uma batalha tão antiga quanto a escolarização compulsória.
É uma batalha que ajuda a moderar os excessos da educação
tradicional; mas é incapaz de derrotá-la, pois aceita muitas das
crenças tradicionais sobre como a educação deve ser.
Enquanto
os professores acharem que é sua tarefa garantir que as crianças
aprendam certas coisas, em momentos específicos de seu
desenvolvimento, então não importa quão progressista seja seu
pensamento, eles terão que usar métodos coercitivos para obrigar as
crianças a aprender. As crianças, por natureza, não desenvolvem
interesses semelhantes ao mesmo tempo, então é impossível atuar
numa sala de aula típica, com mais de um grupo de estudantes,
acreditando que todos eles vão aprender o que está no currículo
apenas fazendo aquilo que lhes interessa.
Ouso
dizer que a maioria dos professores novatos, saídos de faculdades de
educação, começam a trabalhar pensando que vão ser educadores
progressistas. Escolhem dar aulas, no fim das contas, porque amam
crianças; e em suas aulas de pedagogia, muitas, senão todas, as
filosofias educacionais que leram e das quais ouviram falar eram
progressistas – sobre guiar, estimular e facilitar, não sobre
coagir. Mas daí eles entraram no mundo real das salas de aula. Lá,
eles cuidam de trinta crianças, têm que manter a ordem e fazer algo
para parecer que o aprendizado está acontecendo; e suas ideias
progressistas logo voam pela janela. Não é nenhuma surpresa que as
escolas que trabalham mais em sintonia com os princípios
progressistas sejam particulares e muito caras. Elas exigem classes
pequenas, poucos estudantes por professor, e profissionais altamente
competentes e dedicados.
Mesmo
os defensores mais fervorosos da educação progressista admitem que
uma das razões pelas quais a educação progressista não decolou é
o fato de ela ser tão exigente com os professores.
Aqui,
por exemplo, vemos o que Alfie Kohn tem a dizer sobre isso: “Ela
[a educação progressista] é muito mais exigente com os
professores, que precisam saber sua matéria de cabo a rabo se querem
que os estudantes ‘compreendam biologia ou literatura’ em vez de
‘simplesmente memorizar a anatomia de um sapo ou a estrutura de uma
frase.’ Mas os professores progressistas também têm que saber
muito de pedagogia, pois nenhuma quantidade de conhecimento
específico (por exemplo, ser especialista em ciência ou inglês)
vai dizer como facilitar a aprendizagem.”
Acrescente
a isso a ideia de que os professores devem conhecer todos os seus
alunos individualmente e ajudá-los a desenvolver seus potenciais e
seus próprios interesses, e você vai começar a entender por que a
educação progressista não substituiu a educação diretiva do
ensina-e-testa como modelo predominante.
Educadores
progressistas frequentemente citam Rousseau como um dos primeiros
pensadores dessa abordagem. A única obra de Rousseau sobre educação
foi seu livro Emílio,
publicado em 1760, que apresenta o relato fictício da educação de
uma criança. Se esse livro tivesse qualquer aplicação no mundo
real, seria na educação de um príncipe. O professor de
Emílio é um preceptor, cujo único trabalho, única missão na
vida, é educar apenas esse menino, numa taxa de professor/aluno de
um para um. O preceptor, de acordo com a descrição de Rousseau, é
uma espécie de super-herói. Ele não apenas sabe muito sobre
todos os assuntos, mas entende Emílio completamente, mais do que
seria humanamente possível (eu diria). Ele conhece todos os desejos
do menino, a todo momento, e sempre sabe exatamente qual estímulo
oferecer para aumentar os benefícios educacionais que resultarão
das ações do menino a partir desses desejos. Assim, o preceptor
cria um ambiente no qual Emílio está sempre fazendo apenas o que
quer, e ainda aprende exatamente as lições que seu preceptor
habilmente preparou para ele.
Acredito
que se mais educadores realmente lessem o Emílio,
em vez de apenas citá-lo, reconheceriam o erro básico da teoria
educacional progressista. Ela exige demais dos professores para ser
aplicável em qualquer tipo de larga escala, e ela faz suposições
irreais sobre a previsibilidade e obviedade das motivações e dos
desejos humanos. [Para minha análise do Emílio,
ver aqui.]
Na melhor das hipóteses, em larga escala, a educação progressista
pode apenas ajudar a aliviar a dureza dos métodos tradicionais e
adicionar um toque de autodireção e criatividade
à
vida dos estudantes.
Diferente
da educação progressista, a Educação Autodirigida é barata e
eficiente. A Sudbury Valley School, por exemplo, que está se
aproximando do seu aniversário de 50 anos[2], funciona com um
orçamento por estudante que é menos da metade daquele das escolas
públicas locais (para saber mais sobre essa escola, ver aqui
e
aqui).
Um grande número de adultos por estudante não é necessário, pois
a maior parte da aprendizagem dos estudantes não vem de sua
interação com os adultos. Neste ambiente de mistura de idades,
estudantes mais novos estão constantemente aprendendo com os mais
velhos, crianças de todas as idades praticam habilidades essenciais
e experimentam ideias em suas brincadeiras, explorações, conversas
e buscas dos interesses que tenham desenvolvido. Por iniciativa
própria, elas também usam livros e, no mundo de hoje, a internet
para adquirir o conhecimento que estão buscando a qualquer hora.
A
crítica mais comum à Educação Autodirigida é que ela não
funciona, ou só funciona para certas pessoas, muito automotivadas.
De fato, educadores progressistas frequentemente são rápidos em
marcar a distinção entre sua visão e a Educação Autodirigida,
pois não querem que sua proposta seja confundida com ideias que eles
consideram “românticas” ou “malucas” e impraticáveis. Por
exemplo, tenho quase certeza de que Alfie Kohn tinha a Educação
Autodirigida em mente quando escreveu (aqui
novamente):
“Nessa
versão caricata da tradição, as crianças são livres para fazer
tudo o que quiserem, o currículo consiste em coisas divertidas (o
que não for divertido está fora). Espera-se que a aprendizagem
ocorra automaticamente enquanto os professores ficam de lado,
observando e sorrindo. Falta espaço aqui para oferecer exemplos
dessa deturpação — ou uma apresentação completa das razões por
que isso é tão profundamente errado — mas confie em mim: as
pessoas realmente zombam da ideia de uma educação progressista
baseadas em uma imagem que tem muito pouco a ver com a educação
progressista.”
A
caricatura de Kohn da Educação Autodirigida não é muito correta —
pois as crianças escolhem regularmente, por conta própria, fazer
coisas que não são divertidas a curto prazo e porque membros da
equipe não ficam apenas ao lado observando e sorrindo; mas, ainda
sim, essa caracterização não está completamente errada. E essa
educação funciona. Não precisa acreditar em mim; leia e trate com
desconfiança as evidências. Estudos que acompanharam formandos de
escolas de Educação Autodirigida e jovens desescolarizados
mostraram que as pessoas, que se educaram seguindo seus interesses
estão se saindo muito bem na vida. Você pode ler muito mais sobre
isso em posts anteriores desse blog[3], em vários artigos acadêmicos
(p.e., aqui,
aqui
e
aqui)
e em meu livro Free
to Learn.
A
Educação Autodirigida funciona porque somos naturalmente projetados
para ela. Ao longo de essencialmente toda a história humana,
crianças educaram a si mesmas explorando, brincando, observando e
ouvindo outras pessoas, descobrindo e buscando seus próprios
objetivos na vida (p.e., aqui
e
GRAY, 2016). Em uma extensa revisão da literatura antropológica
sobre educação em diversas culturas, David Lancy (2016) concluiu
que a aprendizagem — incluindo a aprendizagem abarcada pela
educação — é natural para os seres humanos, mas ensinar e ser
ensinado, não. A citação de Winston Churchill segundo a qual “Eu
sempre gostei de aprender, mas nem sempre gostei de ser ensinado” é
algo que qualquer pessoa, em qualquer época ou local, poderia ter
dito.
Os
instintos educacionais das crianças ainda funcionam perfeitamente,
em nossa sociedade moderna, desde que sejam fornecidas as condições
que possibilitem sua realização. Os mesmos instintos que motivaram
crianças caçadoras-coletoras a aprender a caçar, coletar e fazer
tudo que precisavam para serem adultos competentes motivam as
crianças em nossa sociedade a aprender a ler, calcular, usar
computadores e fazer tudo que precisam para se tornarem adultos
competentes (ver GRAY, 2016). A Educação Autodirigida é tão
natural, tão mais prazerosa e eficiente para todos do que a educação
coercitiva, que parece inevitável para mim que ela voltará a ser a
rota educacional predominante.
A
escolarização coercitiva tem sido um pequeno desvio na história
humana, projetada para servir aos fins temporários que surgiram com
a industrialização e a necessidade de eliminar a criatividade e o
livre-arbítrio
(veja
aqui).
Agora, a escolarização coercitiva está num processo de
autodestruição, numa espécie de último suspiro. Uma vez que as
pessoas descubram que a Educação Autodirigida funciona, e não
causa o estresse
e
os danos da escolarização coercitiva, e começarmos a direcionar
uma parte dos bilhões de dólares que são gastos atualmente na
educação coercitiva para prover os recursos para que a Educação
Autodirigida chegue a todas as crianças, a Educação Autodirigida
vai se tornar novamente a rota educacional predominante. Então,
poderemos abandonar as letras maiúsculas. E então não precisaremos
mais que a educação progressista suavize os duros golpes da
educação coercitiva.
NOTAS
1. No
Brasil, Paulo Freire (1921-1997) é o principal representante da
Pedagogia Progressista Libertadora. Outro nome importante no Brasil
ligado à Pedagogia Progressista é o do educador português
José Pacheco (1951-), responsável por iniciativas como a Escola da
Ponte, em Portugal, e o Projeto Âncora, no Brasil (NT).
2. Em 2018, a Sudbury Valley School completou 50 anos (NT).
REFERÊNCIAS
GRAY,
Peter. Children’s natural ways of learning still work — even for
the three Rs. In: GEARY, D. C; BERCH, D. B. (ed). Evolutionary
perspectives on
child
development
and
education.
New York: Springer, 2016. p. 33-66.
GRAY,
Peter. Free
to Learn.
New York: Basic Books, 2013.
LANCY,
David. Teaching: natural or cultural? In: GEARY, D. C;
BERCH, D. B. (ed). Evolutionary
perspectives on child development and education.
New York: Springer, 2016. p. 67-93.