segunda-feira, 30 de março de 2015

Memorial ENAs e MAB: sobre eu mesma

Sou de Uberlândia-MG. Fiz parte do grupo Solidariedade, um grupo de adolescentes formado pela escola de ensino fundamental que frequentei e ampliado como projeto extra-curricular até os 18 anos. Desse grupo, por desejo dos adolescentes e coordenadoras participantes de continuar os projetos enquanto multiplicadores do nosso processo de formação, montamos a ONG Paepalanthus - Espaço do Adolescente (que desenvolvia ações de sexualidade e cidadania para e com adolescentes).
Paepalanthus: "sempre-viva do cerrado"

O primeiro encontro que participei foi o V ENA, em Campinas, e eu tinha 15 anos. Daí participei do VI, VII, VII, IV, X e XI Encontros Nacionais de Adolescentes. E de mais muitos Encontros Regionais e Municipais de Minas e São Paulo. Fora a participação no processo de criação do MAB (Movimento de Adolescentes Brasileiros) e da função de educadores juvenis.

Há exatos 20 anos do começo dessa história, venho refletir sobre qual a influência desse processo vivido sobre os caminhos que percorri depois... Para começar, minha escolha profissional foi por inspiração e desejo de continuar o caminho iniciado nesse Movimento. Me formei em Psicologia e comecei a trilhar um caminho profissional de encontro com seres humanos e pela busca de ouvi-los e permiti-los serem reconhecidos como sujeitos de direitos. Minhas escolhas foram sempre pelo caminho dos "marginais", no sentido dos que estão fora da norma privilegiada... foi assim que trabalhei no Sistema Único de Saúde, no convívio com homens, mulheres e adolescentes em uso abusivo de álcool e drogas por um curto tempo (1 ano), depois compartilhando as dores e alegrias das crianças e adolescentes com transtornos mentais graves por um tempo razoável (5 anos) e um longo tempo (10 anos) me emocionando e aprendendo com seres humanos em estado crônico e avançado de doenças graves e degenerativas sem perspectiva de melhora, me emocionando com valores relacionados à qualidade e respeito à Vida e à Morte. E mais recentemente, há 3 anos, descobri um novo e encantador Universo que fez meu coração pulsar intensamente, que foi a Humanização do Parto e Nascimento, me fazendo entrar de alma nessa história e reconfigurando todo o meu trabalho para essa área. Me capacitei como Doula e também assumi a função de Apoiadora Técnica dessa área em toda a Rede da Secretaria de Saúde de Uberlândia, que é onde me encontro há 1 ano. No meio disso fiz meu mestrado em Ciências da Saúde e Especialização em Violência contra Crianças e Adolescentes e atualmente estou em formação em mais duas especializações, uma em Apoio Institucional e outra em Medicina Antroposófica. E tenho me realizado como doula, que é uma acompanhante da mulher no processo de gestação, parto e pós-parto e como mobilizadora de um Círculo Sagrado para Mulheres, trabalhos nos quais a gente abre um espaço para o encontro com o nosso feminino no que ele tem de mais puro. Ufa!

E, em todo esse caminhar, consigo ver uma linha clara e forte a me conduzir por todos esses lugares. Um lugar comum e princípios que se repetem: a visão de que todo ser humano é único e merece ser ouvido e respeitado em suas características singulares; a defesa da Saúde como algo amplo, muito além da ausência de sintomas e, sim, como possibilidade de estar bem consigo mesmo; a ideia de que o indivíduo tem o direito de participar e escolher seu tratamento e de ser respeitado em suas escolhas; a importância do compartilhamento de saberes, de todos os envolvidos no processo, profissionais e "pacientes" e a noção de que a ciência é apenas um dos saberes e tratamentos possíveis, sendo que os conhecimentos culturais e populares também contém suas verdades e eficácias; o trabalho em e com grupos como um forte recurso/dispositivo de tratamento e a habilidade de estar e conduzir esses grupos e, por fim. a capacidade de ver o ser humano de forma integral e além de sua doença ou condição de saúde.
Acredito que todas essas habilidade conquistei enquanto participava dos grupos de adolescentes, e conquistei sentindo eles na pele, sentindo cada um desses princípios perpassando por mim e pelos grupos. Ser respeitada, ser ouvida, ser acolhida, ser abraçada, ser levada em consideração, ser acreditada, ser empoderada, ser inteira e ser várias, ser corpo, alma e coração, ser voz, ser dança, ser silêncio, ser política e ser brincadeira, ser razão e emoção, ser grupo e ser Um... são partes de mim adolescente que pude vivenciar e experimentar nos grupos e nos encontros desses Encontros de Adolescentes.
Das lembranças marcantes, ficaram as danças circulares, os encontros de olhares de gentes tão diferentes, de culturas, realidades e regiões tão distantes, os rituais indígenas, a fogueira, os teatros, minhas oficinas de poesia, a recepção acolhedora a todos que chegavam, as longas viagens de ônibus e a festa dentro deles, o violão, as reuniões de preparação, o "policiamento" e a tentativa de burlá-lo à noite, as mandalas... refletindo agora, o que ficou impregnado em mim, no meu modo de ser, agir e pensar foram os Rituais... sim, em todas essas lembranças é como se eu tivesse passado por um rico e simbólico ritual na adolescência e que de alguma forma me transformou e me possibilitou ser quem eu sou hoje.

E se isso não bastasse, foi nesses encontros, aliás, desde o primeiro encontro que fui, que esbarrei no meu "animus", caracturalmente o extremo oposto de mim. Eu, sociável, comunicativa, conversadeira, afetuosa, expansiva e sorridente. Ele, introvertido, calado, introspectivo, fechado e sério. Eu, carregando uma mochila de ursinho de pelúcia. Ele, uma pasta de couro. Eu, baixinha, gordinha, cabelos encaracolados. Ele, alto, magro, cabelos longo e lisíssimo. Pronto, era isso, a balança perfeita para equilibrar os extremos... Mas foram necessários vários encontros e re-encontros para que a distância e curiosidade, se transformasse primeiro numa sincera amizade e bem depois, quase que por "acidente", em um beijo que aos poucos foi se lapidando em amor... Nos conhecemos em 1995, começamos a namorar em 2000, nos casamos em 2004, tivemos 2 filhos e depois de 20 anos, voltamos juntos a mais um Encontro. Se não bastasse todas as vivências e emoções que os Encontros me propiciaram, foram eles que também me possibilitaram reconhecer meu companheiro do dia-a-dia, meu parceiro de conversas, de sonhos e de pão. Foi num dos encontros que ele se dirigiu a mim como a sua companheira: aquela que ele escolhera para dividir o pão com ele...

Foto: Mila
E desse casamento e por causa dos filhos que geramos, acabamos nos deparando com mais uma grande questão e que no meu ponto de vista, tem muito a ver com o que vivemos no MAB e que diz respeito à educação. Ao lidar com a educação de nossos filhos, começamos a questionar vários pontos e princípios da educação tradicional formal e isso nos levou a buscar outros modelos e por fim, por falta de opção, a criar um espaço de educação em nossa cidade, para os nossos filhos, de acordo com aquilo que acreditamos e desejamos que eles experienciem. Esse espaço se chama Casa da Árvore e é um espaço que acredita que cada criança e adolescente é um ser com total capacidade de se desenvolver, que tem direito de participar da construção dos seus espaços de convivência, que aprende e apreende o tempo todo porque é isso que nós, seres humanos, fazemos e, ainda, que toda criança e adolescente merece ser reconhecido como sujeito capaz, autônomo e potente e que quanto mais participação e espaço tiver em suas próprias escolhas mais capaz, consciente e feliz, ele será. Conseguir força, apoio e parceria do companheiro para mergulhar junto num desconhecido que ninguém mais entende mas que vem de encontro ao coração, só mesmo tendo já vivido isso em algum outro momento... talvez porque os ENAs tenham sido um pouco assim também, né?!

Alessandra Araújo (30/03/2015)




sábado, 14 de março de 2015

Sobre partos e doular: Mais um dia que vi e senti o sagrado

Uma mulher se partindo,
Se desmembrando,
Se expandindo...
Uma noite em claro, mulheres fortes
Conversas suaves
Meia luz e café quente
Um homem de pura tranquilidade
Confiante, sereno
Prestativo e servil
A mulher, concentrada em si
E em todos
Controla o descontrole e se abre
A sombra e a luz
Misturadas com uma suave música
Ao encontro de dois Mundos
Eis que, amanhece,
A luz tudo preenche
E nas águas da vida, a película protetora se revela,
Trazendo consigo um choro suave
A mulher, partida e recomposta
Carrega seu filho e canta
E espanta o que por tanto tempo
Se fez mistério

A vida em si

quarta-feira, 11 de março de 2015

A velha que habita em mim

A velha que habita em mim
manca, olha pra baixo, 
enruga o semblante e
enverga as costas com os pesos da vida.

A velha que habita em mim
me puxa para o passado, enrigesse
me segura e duvida de si

A velha que habita em mim
me quer sempre ao seu lado 
cuida, me impedindo de sair

A velha tem medo, muito medo
De tudo que não conhece
E de muito do que já viu e viveu

A velha que habita em mim
sentiu na pele o sofrer
foi machucada, violentada, calada

A velha que habita em mim
Se esqueceu que foi jovem
Que também sonhava, voava

A velha ama a jovem
E por amor protege
E a vida se repete

Venha velha,
sente-se aqui com a jovem,
conversem, entrem num acordo

A jovem precisa partir...



(texto-reflexão das minhas curas antroposóficas...)